sábado, agosto 31, 2024

Notas de rodapé (X) - Especulações que o tempo dissipa

 

Revisito amiúde o excelente trabalho jornalístico que Joaquim Furtado fez sobre a Guerra Colonial sob a forma de quatro séries televisivas em que ouviu os testemunhos dos que nela foram protagonistas.

A distância, porém, vai relativizando muitas das questões, que deixa em aberto. Por exemplo, quando aborda a tentativa do regime se recauchutar ao ponderar-se a substituição de Américo Tomás por Spínola, quando este ainda andava a procurar uma solução habilidosa para a anunciada derrota na Guiné-Bissau.

Teria valido isso de alguma coisa a Marcelo Caetano, que perdera definitivamente as veleidades do tempo em que ousara afrontar Salazar aquando da crise académica de 1962? Teimando numa vitória militar, que se ia esfumando como inócua miragem, não se adivinha fácil uma possível coabitação entre dois umbigos tão inchados quanto o tinham o presidente do Conselho e o governador da Guiné-Bissau. O mais certo seria o regime acelerar o estertor, que só teve fim no dia 25 de abril de 1974.

Igualmente espúria a discussão sobre a responsabilidade pela morte de Amílcar Cabral. Numa altura em que o mesmo Spínola procurava explorar as rivalidades nacionalistas entre os povos da Guiné e os de Cabo Verde de pouco importa se Nino Vieira estaria ou não por trás do assassinato do líder o PAIGC. Morrendo de forma tão violenta o antigo presidente de um país, que continua a vogar ao sabor dos interesses alheios aos dos seus cidadãos, terá levado a verdade consigo para a cova.

É verdade que um dos seus familiares participou nesse homicídio, mas poderemos ser acusados pelas vilanias dos que connosco partilham os apelidos? Maior certeza é esta: não tivesse Alpoim Galvão levado por diante a Operação Mar Verde e a probabilidade de não ter existido esse crime seria bastante maior. No fundo não pode deixar-se de atribuir aos militares portugueses, e à muito ativa Pide/DGS, a efetiva responsabilidade pelo assassinato daquele que era um respeitado político africano.

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