1. O cinema tem imensas propostas sobre realidades aparentemente tranquilas à beira da explosão - incontrolável! - de quem se sente sufocar perante a frustração de não ser reconhecido. Esse é também o tema de Storia di vacanze, segunda longa-metragem de Fabio e Damiano D'Innocenzo que, em 2020, nos deu a conhecer um bairro de classe média baixa dos arredores de Roma em que o verão parece agradavelmente passado nas piscinas insufláveis e nos jantares ao ar livre.
Os vizinhos convivem na maior das cordialidades, mas desprezam-se, se não mesmo invejando-se no seu íntimo. As mulheres são passivas, os maridos agressivos, restando as crianças para, com um projeto mirabolante, virarem do avesso a vida dos adultos. Desmascarando-lhes as verdadeiras faces.
2. Endzeit de Carolina Hellsgård projeta-nos para o apocalipse, quando apenas duas cidades resistem às sucessivas hordas de zombies.
Produção alemã de 2018 reflete o medo pelas pandemias, que viriam a tornar-se particularmente relevantes com o ainda então desconhecido covid.
Insatisfeitas com as regras, que regem a sua comunidade, duas raparigas, Vivi e Eva, arriscam sair da sua proteção para buscarem asilo na que mitificam como diferente para melhor.
Baseado em bandas desenhadas de Olivia Vieweg o filme mostra-nos as duas protagonistas a confessaarem os seus fantasmas obsessivos ao mesmo tempo que confirmam a incompatibilidade da liberdade com uma sociedade apenas apostada na sobrevivência, percorrendo territórios indiferentes aos desvarios humanos, renaturalizando-se, quais fénixes a renascerem.
3. Dos filmes de Michelangelo Antonioni o meu preferido é A Aventura que, em 1960, marcava uma clara rutura com um conjunto de valores maioritariamente glosados no cinema da década anterior.
Em primeiro lugar os homens - personificados no arquiteto Sandro - surgem no esplendor da sua mediocridade, quer prestando-se a mudarem de afetos tão só a oportunidade se proporcione, quer tomando consciência das limitações dos seus talentos profissionais. É assim que Sandro logo pensa em atirar-se para os braços de Claudia tão-só vê desaparecer a companheira, Anna, na escala do iate na ilha em que ficamos sem saber se ela se suicidou ou se limitou a fugir.
Mais adiante, quando Sandro e Claudia procuram Anna na cidade antiga de Noto, ele questiona-se sobre os limites da arquitetura, sendo raras as construções a perdurarem nos séculos seguintes. E sabendo que as suas obras, no âmbito desse saber, não durarão, porque apenas orientadas para a especulação imobiliária então em curso nas principais cidades italianas.
Há também a cena do assédio de uma mulher por dezenas de homens numa rua de Messina, que critica a coisificação do corpo feminino, tão em voga no cinema dessa época, e responsável pelo indecoroso espetáculo da sua exposição na televisão berlusconiana das décadas seguintes.
E não é de descurar a forma como Antonioni explicita a evolução do sentimento amoroso entre a lúcida Claudia e o volúvel Sandro conduzindo à cena final em que este se prostra aos pés dela desejoso de se fazer perdoar...
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