O assassinato de Patrice Lumumba em 1961 não foi o resultado de um mero conflito interno; foi o ponto final de uma conspiração ocidental meticulosamente orquestrada. O Congo, com a sua vasta riqueza mineral, incluindo as minas de urânio que abasteceram o programa nuclear americano, era demasiado valioso para que o seu destino fosse entregue a um líder nacionalista e independente.
O medo de que Lumumba, na sua luta por um Congo verdadeiramente soberano, pudesse virar-se para a União Soviética em busca de apoio foi a justificação perfeita para Washington e Bruxelas. Assim, as agências de espionagem, com a CIA na linha da frente, lançaram uma operação de desestabilização para derrubar o homem que eles consideravam uma ameaça à ordem global estabelecida e ao seu acesso aos recursos congoleses.
Neste cenário de espionagem e violência, a música negra foi utilizada de forma cínica pelo Departamento de Estado dos EUA, com músicos como Louis Armstrong, foram enviados em digressões globais como "embaixadores do jazz", uma estratégia de "poder suave" para contrapor à propaganda soviética. A ideia era mostrar ao mundo a liberdade e a diversidade cultural americana, mesmo quando os EUA tinham o racismo e a segregação em casa.
No entanto, o documentário revela que esta digressão era mais do que uma simples missão diplomática. A presença de Armstrong no Congo em 1960 serviu como uma "banda sonora" para o golpe de estado, uma distração que coincidiu com os últimos meses de vida de Lumumba. O carisma e a inocência pública de Armstrong foram um "cavalo de Troia", desviando as atenções enquanto a CIA e os seus aliados conspiravam para neutralizar Lumumba.
O próprio Armstrong só terá percebido mais tarde o papel que desempenhou neste enredo, o que o deixou furioso por ter sido utilizado. O seu caso é um exemplo trágico de como uma força cultural de libertação pode ser cooptada por poderes que buscam o seu oposto.
Este paradoxo é ainda mais evidente no caso de Dizzy Gillespie. Ao contrário de Armstrong, ele tinha uma consciência do seu papel. Ele não era ingénuo, mas um participante crítico, usando a sua posição para questionar as contradições americanas e o seu próprio papel no jogo da Guerra Fria. A campanha presidencial satírica, que protagonizou em 1964, embora humorística, foi uma crítica direta ao sistema político, demonstrando que a música negra não era apenas uma ferramenta passiva, mas também uma força de resistência e de crítica.
Em última análise, o documentário "Banda Sonora para um golpe de Estado" expõe um dos capítulos mais sombrios da Guerra Fria. Mostra como o Ocidente usou todos os instrumentos ao seu dispor, de manobras políticas a conspirações clandestinas, para derrubar um líder. O facto de a música negra, uma forma de arte nascida da luta pela liberdade, ter sido utilizada para pavimentar o caminho para a morte de Lumumba é a tragédia central e a ironia máxima desta história.
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