domingo, setembro 21, 2025

A Farsa de Ivan Ilitch

 

Aos quarenta e cinco anos, Ivan Ilitch percebe algo de terrível: a alegria da sua vida inteira foi uma mentira. Deitado no leito de morte, ele olha para a sua existência – uma carreira de sucesso, uma família "perfeita", uma casa elegante – e vê uma farsa. A única coisa real que lhe resta é a dor e o medo. Tolstoi, o autor da novela, oferece a sua solução: uma vida ancorada em valores espirituais e morais. Mas e se a resposta não estiver aí?

A verdade é que a minha diverge da de Tolstoi. Como materialista, os valores espirituais não me dizem nada, e os morais, muitas vezes, parecem eivados de preconceitos, usados para julgar e proibir. A novela, apesar de brilhantemente escrita, propõe uma solução que pode não ser universal.

A questão não é seguir os preceitos de Tolstoi, mas refletir sobre o que teria sido mais relevante. Olhando para trás, pergunto-me: poderia ter sido mais feliz?

Talvez sim. Ao longo da vida, os compromissos profissionais e sociais desfocaram-me muitas vezes do que realmente importa, o amor partilhado com a pessoa que está ao meu lado há mais de meio século. E é aqui que a minha leitura se cruza com a de Tolstoi, mas toma um caminho completamente diferente. O vazio de Ivan Ilitch não era apenas a falta de valores espirituais, mas a ausência de elo genuíno e de foco nas relações humanas mais importantes.

É inútil, porém, olhar para o passado à procura de "tempo perdido". Irene Lisboa já o dizia no título de um dos seus livros: para que serviria voltar para trás? Embora esse romance mais não fosse do que isso mesmo.

Ivan Ilitch não me inspira simpatia. Ele é, no fundo, um homem comum que percebeu o valor da vida quando já era tarde demais. A novela de Tolstoi não é um manual de como viver, mas um espelho que reflete uma vida mal direcionada.

O que a história ensina é que a vida autêntica não está em seguir preceitos religiosos ou morais abstratos, mas  em valorizar o amor e as relações pessoais. E essa é, talvez, a maior lição que a obra de Tolstoi, mesmo para quem discorda dele, pode dar-nos: a oportunidade de refletir sobre o que realmente importa antes que seja tarde demais.

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