O documentário "Os Diários de Thomaz de Mello Breyner" desafia a forma como a história é apresentada, particularmente quando o protagonista detém uma visão do mundo notoriamente enviesada.
Thomaz de Mello Breyner era, sem dúvida, um monárquico fervoroso, um sidonista convicto e um crítico acérrimo dos líderes republicanos da sua época. Depois, com naturalidade, seria confesso salazarista. A sua perspetiva, fielmente registada nos diários, é inegavelmente reacionária, contrastando fortemente com os valores e as ideologias que moldariam a sociedade portuguesa de hoje.
A questão central que se coloca é como esta "apologia" a uma figura com tal pendor ideológico pode ser o trabalho de entidades como a Lx Filmes, e de realizadores como Manuel Mozos e Luís Correia cuja reputação imporia o contributo para uma narrativa mais diversa.
O documentário falha precisamente no que seria crucial para equilibrar a balança: a ausência de contraponto. Ao dar primazia exclusiva à voz de Thomaz de Mello Breyner, com fortes convicções monárquicas e observações depreciativas sobre os republicanos, a produção opta por uma abordagem unilateral. Em vez de confrontar ou contextualizar criticamente essas posições com perspetivas contrárias, ou análises históricas alternativas, o documentário limita-se a reproduzi-las.
A presença de Manuel Wiborg e, crucialmente, de Maria João Avillez na narração só fundamenta esta discussão. Enquanto a voz de Manuel Wiborg, ator reconhecido, poderia ser vista como uma escolha artística, a participação de Maria João Avillez, de conhecidas posições políticas, reforça a apreensão. Esta escolha de narradores pode, inadvertidamente ou não, validar e amplificar a perspetiva já unilateral do protagonista monárquico.
Para quem valoriza a pluralidade de vozes na construção da narrativa histórica e espera uma abordagem que estimule o pensamento crítico, a ausência de perspetivas contrárias é lacuna significativa. Comprometer-se com uma história rica e multifacetada exige a coragem de apresentar e debater as várias facetas de um período, incluindo aquelas que desafiam as narrativas dominantes.
Em suma, embora os diários de Thomaz de Mello Breyner sejam uma fonte histórica valiosa, apresentá-los sem vozes e ideologias que lhes eram opostas representa uma oportunidade perdida para um documentário verdadeiramente abrangente e crítico que escape a esta glorificação de uma visão reacionária.
Sem comentários:
Enviar um comentário