É uma frase que sugestiona pela simplicidade e profundidade: "Se não consegues explicar algo de forma simples, não o entendes suficientemente bem." Atribuída a Richard Feynman, esta máxima não é apenas um testamento da sua brilhante capacidade pedagógica, mas uma ode à clareza e ao verdadeiro domínio do conhecimento. É uma perspetiva que reencontro, com um misto de admiração e nostalgia, na visão e no método pedagógico de um dos nossos mais notáveis intelectuais: Bento de Jesus Caraça.
Matemático notável, professor universitário e humanista convicto, ele antecipava-se a Feynman na crença de que a complexidade é a antítese da inteligência, quando se trata de partilhar o saber. Tal como Feynman instigava os alunos a serem capazes de explicar a física quântica a uma "avó analfabeta", Caraça defendia que a cultura e a ciência deveriam ser para todos, sem exceção. Ele não via o conhecimento como um privilégio de elites, mas como ferramenta de emancipação, pilar essencial para a construção de uma sociedade mais justa e consciente.
A sua obra é um testemunho vivo desta convicção. Em "Conceitos Fundamentais da Matemática", por exemplo, Caraça descomplica ideias abstratas, tornando-as acessíveis, sem nunca abdicar do rigor. E foi esta mesma filosofia que o levou a fundar a Biblioteca Cosmos, uma iniciativa pioneira que, sob a sua curadoria, publicou centenas de títulos de divulgação científica e cultural. Num Portugal oprimido pelo analfabetismo e pela censura de uma ditadura obscurantista, a Cosmos era um farol, iluminando mentes e democratizando o acesso a um saber que o regime queria confinado a poucos. Era, sem dúvida, a aplicação prática da ideia de que o verdadeiro entendimento passa pela capacidade de o comunicar a qualquer um.
Infelizmente, a vida e obra de Bento de Jesus Caraça foram tragicamente ceifadas pela perseguição política de que foi alvo. A militância antifascista, a integridade inabalável e a recusa em comprometer os ideais de liberdade e justiça valeram-lhe a vigilância da PIDE, as prisões e, em 1946, a demissão compulsória do ensino universitário. Caraça, um homem de 47 anos, com o coração já fragilizado, sucumbiu dois anos depois a uma doença cardíaca. A morte precoce, embora atribuída a causas naturais, é amplamente reconhecida como uma trágica consequência do implacável stress e das agruras impostas pela perseguição política do Estado Novo.
Hoje, quando tanto se fala em desinformação e em polarização, a memória de Bento de Jesus Caraça — e a sua paixão por um conhecimento acessível e partilhado — torna-se ainda mais pertinente. A sua visão e a de Feynman, cada um à sua maneira, recordam-nos que a verdadeira sabedoria reside na arte de tornar o complexo, simples. E é essa simplicidade que, afinal, tem o poder de libertar e de construir.
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