terça-feira, julho 08, 2025

"Rutger Hauer: Like Tears in Rain" de Sanna Fabery de Jong: uma vida e memórias perdidas

 

O documentário "Rutger Hauer: Like Tears in Rain" tocou-me de uma forma inesperada, mais do que a simples apreciação pela vida de um ator. A revelação de que Rutger Hauer tinha a obsessão por filmar cada momento da sua vida ressoou comigo por reconhecer-me nessa mesma pulsão – a necessidade visceral de cobrir em fotografia e em filme tudo o que eu e a Elza vivemos. Era a forma de tentar fixar a felicidade, os desafios, a simples beleza do quotidiano partilhado.

Contudo, a ironia do tempo e da vida manifesta-se cruelmente: boa parte desses testemunhos preciosos perderam-se na confusão da montanha de caixotes guardados na cave, para os quais, honestamente, nunca encontro tempo suficiente para organizar.

Essa perda física complementa a fragilidade da memória, que encaro de forma tão trágica, especialmente no que diz respeito à Elza. O documentário de Hauer, com a reflexão sobre o "não se perderem" os momentos – uma alusão direta à sua inesquecível fala em "Blade Runner" – faz-me questionar se regressar a essas fotografias e fotogramas não será, por vezes, um paliativo ilusório. As lágrimas na chuva que se perdem no tempo são um eco potente da incapacidade em reter tudo, de fazer o passado permanecer intacto.

Há ainda uma curiosa similitude de percurso com Rutger Hauer que o filme trouxe à mente: a sua juventude na marinha mercante. Enquanto ele passou apenas um ano nesse ambiente que foi, ainda assim, determinante na formação no fim da adolescência, também eu, ao longo de 24 anos, fiz vida no mar, numa jornada que moldou muito do que sou. São essas ligações inesperadas que nos mostram como as experiências humanas, por vezes, se entrelaçam de formas que nunca imaginaríamos.

E, por fim, a constância do amor de Rutger por Ineke ao longo da vida. Essa dedicação espelha a minha própria experiência, pois o amor pela Elza foi, e é, a força mais constante e significativa da minha existência.

A perspetiva de Rutger Hauer sobre si próprio – o sentir-se subestimado enquanto ator – contrasta com a minha visão do passado. Não me sinto subestimado, nem sobrestimado no que fiz. Limitei-me a desempenhar o melhor possível o que foi aparecendo, profissionalmente, academicamente, e em qualquer outro  desafio que a vida me apresentou. Porque verdadeiramente, o que mais interessava, e onde sinto que fiz o meu melhor, foi amar a Elza. Essa é a verdadeira medida de um legado: a memória que verdadeiramente importa e que, essa nunca se perca. 

Sem comentários: