Entro a matar no terreno das confissões: nunca leio um só romance de fio a pavio, porque o alterno com mais uns dois ou três, e um ou outro ensaio, que tornam a mesa de cabeceira num minidepósito de livros. E um deles é sempre algo do tipo “literatura chiclete”, de consumir e deitar fora, orientado para a capacidade de prender a atenção do leitor com estórias engenhosas, consistentemente desenvolvidas, e finais mais ou menos imprevisíveis.
Stephen King ou Henning Menkel são dois bons exemplos de horas de gulosa fruição, que dei por bem empregadas para melhor dedicar a outras em que o encadeamento das palavras, ou a construção das frases, ganha outro ritmo e sabor. Nenhum deles me elevando ao prazer conferido pelas páginas de um Saramago, Garcia Marquez ou Le Clézio, mas ajudando-me a perceber como se pode satisfazer a vontade de sermos recetores de boas histórias.
Agora ando a passar por uma má experiência, que me leva a, por uma vez, renunciar ao conselho do Truffaut sobre a inutilidade de escrever sobre coisas de que não gostamos por constituir manifesta perda de tempo. Mas, porque, ao fim de quatro ou cinco títulos sem grandes sobressaltos, nem deleites, me apareceu Mulheres que não perdoam de Camilla Läckberg, que me fez saltar a tampa quanto aos limites desta empresária no negócio dos investimentos mais ou menos especulativos, porventura decidida a compensar os riscos da atividade financeira com o manifesto talento para vender livros como pãezinhos.
No romance em causa três mulheres - Viktoria, Birgitta e Ingrid - comungam a vontade de se livrarem dos parceiros, que as agridem, humilham e abusam sexualmente trocando de alvos. Cada um dela mata o algoz de uma das outras defendendo-se com alibis inexpugnáveis.
Quanto à bondade da ideia não há nada a contestar: compreendem-se os desejos homicidas de quem se sente vítima de sádicos sem escrúpulos. Mas, comparando a forma como Patricia Highsmith explorou essa ideia em O Desconhecido do Norte Expresso, a réplica da escrevinhadora sueca fica a léguas da norte-americana, que a terá inventado. Onde ficávamos enleados na dialética entre a convicção psicopata de Bruno e as torturadas dúvidas do arquiteto Guy Haines, não há aqui senão uma esquematizada descrição dos maus tratos a que se sujeitam as vítimas com a forma desajeitada, mas inverosimilmente eficaz como despacham as encomendas.
Para aferir , em definitivo, a capacidade de Camilla Läckberg em dar-me o devido entretenimento ainda lhe ando agora a ler Asas de Prata, que vai demonstrando as mesmas insuficiências. Embora saiba, que o lerei até ao fim, quanto mais não seja por ser verdadeira a frase de sempre termos a aprender com os bons ou os maus romances. Mesmo que por motivos diferentes nuns e noutros casos...
Sem comentários:
Enviar um comentário