Não é que dê significado transcendente à coincidência, mas sempre me interessaram os acontecimentos do ano em que nasci. Talvez por facultarem-me um contexto sociocultural ao meu surgimento e condicionando-o doravante de acordo com as transformações incutidas nesse molde.
Um dos factos desse ano de 1956 foi Hemingway ter recebido os pertences deixados trinta anos antes no hotel parisiense onde vivera. Entre eles contavam-se cadernos com escritos de quando ainda não publicara o primeiro romance e era tão-só um jornalista norte-americano a contar os francos para aceder às experiências boémias, que tinha no salão de Gertrude Stein um dos pontos altos.
Nem dotado da arrogância que o êxito lhe potenciaria e, muito menos do alcoolismo para que não possuía os recursos, Hemingway vivia na insegurança quanto a um futuro imprevisível, embora as leituras dos clássicos, mormente Shakespeare, ou de autores polémicos na sua contemporaneidade (o Ulisses do Joyce) , o fossem preparando para a carreira literária.
Da revisita aos papéis esquecidos, Hemingway formulou a ideia de um romance, que deixou inacabado, mas veio a ser publicado com o título de Paris é uma Festa. Que, apesar de estar numa das prateleiras recuadas da minha biblioteca, nunca li pela desconfiança pessoal para com todos os projetos inacabados, a que os autores não tiveram tempo para dar a forma definitiva. Afinal a mesma razão porque, gostando tanto da obra de Gabriel Garcia Marquez, ainda não me decidi a comprar o recém-publicado romance póstumo apesar de, folheado, lhe detetar muito do que, no estilo e nos temas, justificaram esse apego antigo desde que, em muito jovem, li os Cem Anos de Solidão.
Talvez, um destes dias, acabe por procurar o título do escritor norte-americano e o leia abrindo parêntesis ao tal preconceito. Quanto mais não seja porque, a exemplo do protagonista de um saboroso filme do Woody Allen, também não enjeitasse o reencontro noturno com o conjunto de fascinantes personalidades que fizeram das noites parisienses dos anos vinte do século passado uma mítica festa. Mas isso só seria possível se a tal transcendência não fosse coisa de somenos...
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