1. Quando me surge alguma evocação de Albert Memmi, invariavelmente recordo-lhe a tese segundo a qual, não lhe restando outro recurso, cabe ao desesperado rir. Por isso lembrava o cerco de Varsóvia como espaço em que ajuntamentos de judeus partilhavam anedotas. Mas este judeu nascido em Tunes, depressa rendido ao ateísmo, também desmentiu a mistificação sobre a capital norte-africana constituir um paraíso de convivência entre gentes de credos distintos durante a época colonial francesa.
Ao invés, embora partilhassem as ruas dos bazares, judeus e muçulmanos alimentavam invejas, ódios e preconceitos, que tornariam inviável a sua persistente convivência, quando os tempos pós-coloniais desmentiram os benefícios que, uns e outros, esperavam colher. Daí que Memmi reconhecesse a ambiguidade do amor-ódio votado à sua terra natal.
2. Se Memmi morreu quase centenário há três anos, por essa altura andava Tess Gunty, uma miúda de vinte e poucos, a trabalhar laboriosamente no primeiro romance, que logo viria a ser galardoado com o National Book Award.
As mais de quatrocentas páginas de O Contrário de Nada, agora publicado pela Alfaguara, demonstra que temos de, doravante, estar-lhe atentos, porque, logo nas primeiras páginas, somos agarrados pelas pessoas que vivem na decadente Vacca Vala e convivem diariamente com o crime, a pobreza, o lixo, as irremediáveis angústias, a falta de sonhos de uma América sem nada que se lhe recomende. A droga está por todo o lado, as demais doenças sociais espalham-se pelas muitas personagens que conseguem ser mais do que meros estereótipos e possuem a substância contraditória de se identificarem como pessoas (infelizes) de corpo inteiro.
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