O Principezinho é um dos livros da minha vida. Aos dezoito anos utilizei-o como fulgurante ferramenta de sedução junto da namorada, que o seria para o resto da vida. Com sucesso total, porque garantiu-me a imagem idílica que lhe queria transmitir, embora não tão verdadeira assim já que sempre fui mais dado às prosaicas realidades do que às poéticas mistificações. Mas não era Saint-Ex igualmente assim como o demonstra “Le Petit Prince”, Naissance d’une étoile, documentário de Vincent Nguyen sobre os seus últimos quatro anos de vida, os do torturado exílio nos Estados Unidos, onde criaria o notável personagem, antes de desaparecer algures no Mediterrâneo quando a Segunda Guerra ia-se definindo a favor dos Aliados?
Quando chegara a Nova Iorque, ao mesmo tempo que Jean Renoir, tornado seu amigo próximo na travessia atlântica logo após a débacle francesa perante as hordas nazis, a imprensa norte-americana celebrava-lhe a presença enquanto autor de Terra dos Homens, com que se vira recompensado pelo National Book Award. Mas estimulava-o a intenção de convencer os anfitriões a saírem da teimosa neutralidade e dessem uma mão à Europa aparentemente derrotada pelo império destinado a perdurar mil anos.
Uma mera ilusão, porque só a ameaça de ver o Exército Vermelho avançar dos Urais até ao Cabo da Roca, mostrar-se-ia capaz de justificar o apoio generalizado às intenções de Franklin Roosevelt, por isso voluntariamente apático perante os sinais do iminente ataque japonês a Pearl Harbor.
Nos dois primeiros anos de exílio, Saint-Ex tentara gerir a tumultuosa vida íntima, dividida entre Consuelo, a esposa legítima (e também não muito fiel!) e as diversas amantes, ao mesmo tempo que ia ensaiando os desenhos e a intriga para um conto para crianças encomendado por Eugene Reynal e Curtis Hitchcock, os seus editores apostados em repetirem a rentável publicação de Mary Poppins. O desafio constituíra a oportunidade de revisitar as memórias infantis (o encontro casual com uma raposa), metaforizar a realidade (os baobás como alusão ao nazismo) e imaginar o elogio do amor e da amizade nas aventuras de um principezinho quando o mundo parecia resvalar para o mais terrível dos desastres.
Em abril de 1943, quando o livro chegou às livrarias, já Saint-Ex partira para a África do Norte, consolado com a autorização de Eisenhower de aí integrar a esquadrilha aérea, que operaria no Mediterrâneo. No último dia de julho passarão oitenta anos sobre o seu desaparecimento, quando cumpria uma missão de observação sobre os céus franceses.
O documentário, com amplo recurso à animação - que permite-nos recolher os testemunhos de quem o amou ou foi seu amigo - e imagens de arquivo, mostra as circunstâncias, que estiveram na génese do romance que tantos, a meu exemplo, consideram tão determinante no que fizeram ou vieram a ser.
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