1. Marion Hänsel desapareceu em junho de 2020, mas cuidou de deixar um filme-testamento intitulado Era uma vez um naviozinho (2019), comovente na delicadeza como retrata as penas e alegrias passadas.
Na cama do hospital fecha os olhos e recorda as idas à praia com as irmãs na sua Marselha natal, a infância em Antuérpia, a escola do Devonshire onde estudou artes, o teatro em Nova Iorque, antes de se fixar no cinema como vocação definitiva. E a consagração conseguida com o Leão de Ouro em Veneza em 1985 com Dust.
Sabendo-se condenada ela leva esta sua décima terceira longa-metragem até quase ao final, quando dá a mão ao seu bem amado filho Jan.
2. O Grande Combate (1964) não foi o último filme de John Ford mas, ao contrário dos seguintes, foi aquele em que ainda se aproximava razoavelmente dos que assinara nas décadas anteriores. E, sobretudo, aquele em que procurava redimir-se de ter apresentado os índios num registo maniqueísta, que justificara o quase extermínio.
Aproximando-se tempos em que eles seriam apresentados como vítimas de um genocídio, que denunciava uma América assente nesse crime e no da escravatura, Ford mostrou como, cingidos à sua reserva onde as doenças e, sobretudo, a fome os tendia a matar, os cheyennes decidiam voltar às terras de origem no Dakota em 1878.
Milhares de soldados foram enviados na sua peugada comandados por quem os compreendia (Archer, interpretado por Richard Widmark) ou não hesitava em recorrer à força bruta para os submeter (Wessels personificado por Karl Malden).
Muito embora os protagonistas continuem a ser os de pele branca, Ford deu aos índios a possibilidade de não se limitarem à figuração.
Como quase sempre sucedeu com os filmes de Ford a fotografia - assinada por William Clothier - é excelente com paisagens soberbas realçadas pelo Technicolor. E até temos James Stewart no papel de um irónico Wyatt Earp.
3. No seu curto mandato o presidente Salvador Allende também procurou resgatar os ameríndios da triste sina a que os condenaram os colonos europeus. Em Ahora te vamos a llamar Hermano (1971), inteiramente falado no dialeto Mapudungun, Raul Ruiz filmou o encontro do mártir do Palácio de la Moneda com os índios Mapuche a quem anunciou a nova lei que lhes dava o direito de existirem.
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