domingo, julho 17, 2022

A Metamorfose dos Pássaros, Catarina Vasconcelos, 2021

 

Muitas são as razões, porque gosto bastante deste filme de Catarina Vasconcelos, que agora voltei a rever. Por um lado, porque utiliza abundantemente a correspondência entre o avô Henrique e a avó Beatriz trocada nas longas permanências dele nas viagens por mar. Ora também, eu e a Elza, trocámos milhares de páginas nos vinte e quatro anos em que a Marinha Mercante me serviu de meio de vida, e as palavras escritas ganharam a dimensão dos sentimentos, que por elas se alavancavam. Enquanto se adiava a verdadeira vida, só possível quando se sucediam os reencontros, essas páginas mantinham o elo sentimental, que tornava possível a sensação de não se terem passado tantos meses, porque quase na véspera nos despedíramos.

Há depois a questão do luto, a perda de quem se ama e cuja ausência não tem cura. E essa é ameaça que por mim pairou no ano passado, quando a estadia da Elza no hospital durou setenta e três longos dias nos quais quase sempre esteve incerta a probabilidade de regressar a casa. Ou o quanto doravante vi demonstrada a ilação viniciusiana de ser o amor eterno enquanto dure, mas estar-nos prometida uma fronteira para os desconhecidos territórios do Nada passando a constituir preocupação presente o deixar legado de uma memorabilia rica sobre quem se foi e o quanto se transmitiu pelo multifacetado ADN.

O filme é um exemplo maior desse tipo de legado, que nos pode servir de bitola para o nosso idêntico projeto. E daí que essas tenham constituído as razões pessoais, que justificaram o reencontro com a obra de Catarina Vasconcelos.

Mas há muito mais do que isso, porque se trata de filme muito bem construído e extremamente belo numa estética, que apetece passar fotograma a fotograma, porque muitos constituem verdadeiras obras de arte na forma como revelam a meticulosidade no tratamento da cor e da textura a par da composição das naturezas mortas em que se fundamentam.

Trata-se de um belo filme, mas é, de facto, muito mais do que isso. 

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