É um dos filmes, que mais vezes vi e desconheço quantas ainda repetirei. Porque nunca me canso de constatar-lhe a inteligência com que caustica a sociedade capitalista na versão taylorista e capta a vontade de quantos estão na escala mais baixa da sociedade em terem direito à felicidade.
Há gags, que conheço de sobra, mas me fazem sempre rir e não podemos ignorar que, nesta despedida do personagem de Charlot, Chaplin finalmente dava a conhecer a voz a um cinema onde o mudo parecia ter sido abandonado há muito mais tempo do que, efetivamente, o fora.
"Tempos Modernos" (1936) é o último filme mudo de Charles Chaplin - ou quase mudo, já que há música, efeitos sonoros e a célebre cena em que Charlot finalmente fala, improvisando uma algaraviada "pseudo-italiana", mistura de francês e italiano incompreensível, essa fusão de línguas evoca o esperanto, dialeto universal imaginado para unir os homens. É um momento simbólico: Chaplin dava finalmente a conhecer a voz, mas numa língua que ninguém compreende - uma forma de dizer que a comunicação humana vai além das palavras.
O filme resultou de um longo processo. Chaplin iniciou o projeto em 1931, pouco depois da crise que abalara os Estados Unidos. Partiu numa viagem de dezoito meses à volta do mundo, durante a qual encontrou personalidades como Gandhi e Einstein e constatou uma subida alarmante do desemprego e da pobreza. Para ele, a solução para essas derivas passava por uma melhor distribuição das riquezas e do trabalho - aproximando-se assim das teses marxistas que lhe valeriam tantos inimigos nos EUA. Numa entrevista, declarou: "O desemprego, eis a questão essencial. As máquinas deveriam vir em ajuda à humanidade em vez de provocarem tragédia e desemprego."
Regressado da viagem, escreveu um guião inicialmente intitulado "As Massas" - a evocar obras marxistas como "O Capital", mas mudou para "Tempos Modernos" a fim de orientar a obra para o conto e afastá-la do drama social puro e duro. O epílogo também foi modificado: na versão original, a rapariga tornava-se freira e Charlot era hospitalizado na sequência de uma depressão nervosa. Perante esse final desprovido de esperança, o humanista Chaplin recomeçou e criou outra conclusão, mais alegre, na qual o casal, de braços dados, dirige-se para horizontes longínquos.
O filme é uma sátira feroz ao taylorismo e ao fordismo. Em 1911, Frank Taylor criara a Organização Científica do Trabalho (OST), baseada em dois princípios: a divisão horizontal do trabalho (suprimir toda a tarefa intelectual aos operários para que se concentrassem no trabalho manual) e a divisão vertical (atribuir a cada trabalhador uma tarefa específica visando a aceleração e automatização da produção).
Henry Ford aplicou essas teses nas suas linhas de montagem automóvel. Os lucros explodiram e o modelo foi copiado por todas as grandes empresas. O homem tornava-se uma engrenagem da máquina capitalista, obrigado a seguir a cadência sob pena de ser eliminado.
Chaplin filma os homens a procurarem trabalho na fábrica como vulgares ovelhas de um imenso rebanho. Essas primeiras imagens estabelecem o tom: as novas aventuras de Charlot estarão fortemente ancoradas socialmente, com uma ambição política resumida no primeiro letreiro: "Um relato sobre a indústria, a iniciativa individual e a cruzada da humanidade na busca da felicidade."
A crítica de Chaplin é violenta mas passa sempre pelo riso. A imagem simbólica do filme é a de Charlot com o corpo a enredar-se nas engrenagens das máquinas. O homem e a máquina executam um número de dança e já não formam senão um todo. A virtuosidade que o cineasta impõe nesta cena perfeitamente coreografada permite-lhe dominar a máquina à qual impõe a sua visão: o sistema e suas engrenagens não são nada sem o homem - uma maneira de Chaplin recolocar o homem no topo da escala social.
A sequência em que Charlot aperta todos os parafusos da fábrica, chegando a confundir os botões do vestido de uma mulher com parafusos, continua hilariante. E no entanto, o riso fica amargo porque se o gag é eficaz e mostra também quanto os operários estão alienados. Charlot enlouquece, é internado, confundido com um sindicalista comunista, preso. É a loucura provocada pela cadência infernal da produção capitalista.
Mas "Tempos Modernos" não é apenas sátira social disfarçada sob aparência burlesca - é também história de amor. Paulette Goddard, que Chaplin conhecera durante a viagem à Europa, interpreta a rapariga abandonada, sem ajuda, desenrascando-se pelos próprios meios. Ou seja o alter ego de Charlot.
O encontro - numa das mais memoráveis cenas do filme - marca o início de uma nova vida: a rapariga rouba um pão, foge, é detida. Charlot tem então um clarão de humanidade: faz-se passar pelo ladrão e toma a jovem solitária sob a sua proteção. Este evento serve de detonador para o regresso a uma forma de humanidade para o "operário-máquina".
A amizade nascente entre as duas personagens cresce ao longo do tempo para se transformar em idílio. Após o encontro, reencontram-se pelo maior dos acasos - sinal do destino que os ajudará a realizar esse amor. A partir desse instante, unirão forças e encontrarão assim o remédio para todos os seus problemas. Charlot e a rapariga já não formam senão um: ela nutre-se da faculdade de Charlot em desenrascar-se, e ele bebe do otimismo e da confiança da jovem mulher.
A cena do restaurante é reveladora: Charlot não sabe a letra da canção mas perante os encorajamentos da rapariga, interpreta o tema que encantará o público. Este amor toma plenamente forma no final quando a rapariga, aparentemente desanimada, recupera a coragem perante o otimismo cândido de Charlot, que chega a fazê-la sorrir amplamente. "Nós desenrascar-nos-emos", diz-lhe ele num último letreiro que resume magnificamente a mensagem de amor e de partilha.
O rodagem terminou a 30 de agosto de 1935 e a produção a 21 de janeiro de 1936. A estreia mundial foi organizada no Rivoli Theater de Nova Iorque a 5 de fevereiro de 1936, seguindo-se três grandes projeções em Londres, Hollywood e Paris. Infelizmente, o filme recebeu um acolhimento misto - parte da imprensa criticava Chaplin pela tentativa de propaganda das ideologias comunistas.
Quase noventa anos depois, "Tempos Modernos" não perdeu nada da sua pertinência. A alienação do trabalho repetitivo, a cadência infernal imposta pelas máquinas, a desumanização do operário transformado em engrenagem - tudo isso continua atual. Mudaram as tecnologias, mudaram os sectores (já não é a fábrica mas o call center, o armazém da Amazon, o escritório open-space), mas a lógica permanece: extrair o máximo de produtividade de cada trabalhador, eliminando o que há de humano no trabalho.
O riso suscitado por Chaplin nunca é gratuito - dói, incomoda, obriga a pensar. E porque, no final, apesar de toda a dureza, há a imagem de esperança!




