1. Não aproveitei a estreia de Os Papéis do Inglês para ver o filme produzido por Paulo Branco, e realizado por Sérgio Graciano, para ilustrar o fascínio dessa personalidade admirável, que foi Ruy Duarte de Carvalho pelo deserto do Namibe.
Sei que a verei, provavelmente, na anunciada série televisiva, que lhe dilatará a abordagem, mesmo descontando a, provavelmente imerecida, desconfiança, que o realizador me suscita. Até por ter no elenco gente muito respeitável como o Miguel Borges, a Joana Ribeiro e, sobretudo, o João Pedro Vaz, que dizem ter desempenho superlativo.
Voltar aos tempos do colonialismo, quando Angola dava ao salazarismo a ilusão imperial, que nunca foi mais do que isso, é oportunidade para comprovar o que Alexandre O’Neill comentava quanto a sermos um país pobrete e nada alegrete: até nos sonhos de grandeza deixávamos que, quem desgovernava, nos infantilizasse com mentiras da dimensão da do Pai Natal agora aí tão disseminada para enganar pobres criancinhas, que depressa dele se vão apartar...
2. Costumo dizer que a predisposição ateísta foi-me quase concomitante com a compreensão das incongruências das estórias da Carochinha. Ainda não tinha entendimento bastante para descrer do deus católico por ter estuprado uma virgem e, depois, abandonado o filho - socorro-me desta imagem que, dias atrás me apareceu nas redes sociais e à qual achei graça! - mas intuí ser aquilo tão absurdo quanto depois acharia dos panteões hindus, que até teriam a vantagem de serem mais animados no seu colorido e musicalidade.
Quer isto dizer que, se raramente me decido render ao cinema como entretenimento - conceito que, em si, associo à da perda de tempo! - exijo pelo menos uma condição: ser bem feito!
Ora isso foi o que não encontrei em Ácido, o filme de Just Philippot, que conseguiu umas massas para desenvolver uma ideia já abordada previamente numa curta-metragem e, em 2023, ampliada para a ambiciosa dimensão de uma longa.
O enredo é simples: mistura uma situação distópica relacionada com as alterações climáticas - chuvas ácidas a devastarem sucessivas regiões francesas e belgas - com os desvarios afetivos de um protagonista (Michal interpretada por um Guillaume Canet revelado como insuportável canastrão!), dividido entre juntar-se à companheira na maternidade onde está prestes a dar à luz e o socorro à ex-mulher e à filha, que vai buscar aonde antes morara.
A miúda, sobretudo, é dada como uma revoltada, mas passa o tempo a gritar pelo papá, comportando-se com uma irracionalidade que gostaria não constituísse regra na geração agora com a idade dessa personagem. Embora convenhamos, que a tendência para aderirem às ideias do Chega ou da Iniciativa Liberal, demonstre serem afinal tão estúpidos quanto essa insuportável Selma.
Mas onde o filme pior se revela é na nula verosimilhança científica, como se Philippot quisesse enganar uns quantos totós dando-lhes algo, que qualquer pessoa com dois dedos de testa depressa conclui não fazer qualquer sentido.
E, no entanto, o aquecimento global é assunto demasiado sério para traduzir-se em mistificações tão tontas quanto a crença da terra plana para os respetivos prosélitos. Felizmente que a História do Cinema já conta com uns quantos títulos sérios sobre o tema dispensando-se de incluir este como hipótese de recurso.
Gente bem intencionada ainda defendeu a caução social no facto de, inicialmente, Michal estar em prisão domiciliária por ter ido legitimamente às fuças do patrão, e de se abordar o sempre atual tema da desagregação familiar mas, parafraseando a grande Lucília do Carmo, tudo isto é triste / tudo isto é fado. Ou, por outras palavras: pelo que o filme mostra não é só o Portugal do filme do Graciano, que se revela pobrete e nada alegrete: a França macroniana, e futuramente lepeniana, não apresenta melhores expetativas.