Se revi Ana e Maurizio, o documentário que Catarina Mourão estreou em 2020 sobre o percurso místico de Ana Marchand, não foi pela empatia com o fascínio da artista pela cultura hinduísta, nem tão pouco pelo que dela resulta nas exposições em que tem sido pródiga.
É evidente que todos os rituais associados ás crenças da reencarnação de uma suposta alma me parecem absurdos e não é a crença nessa ligação mais do que genética ao seu tio Maurizio Piscicelli, que me levam a embalar em mais uma história da carochinha.
Interessa-me, sim, o que caracteriza a obra da realizadora, uma vez mais estimulada pela redescoberta da memória a partir das imagens de arquivo a que acedem alguns protagonistas dos seus filmes.
No caso de Ana Marchand tudo começa com um livro de viagens publicado por esse tio-avô há mais de um século e tendo o Congo como foco. Será ao aprofundar a vocação artística desse familiar, que ruma à Índia e nela encontra uma solução catártica para as suas confessas fragilidades: o distanciamento dos que tinham sido os valores em que fora educada, e a levara a quase ser tentada a uma vida convencional, para optar por uma alternativa de rutura, que teria, de permeio, uma experiência traumática (o suicídio de quem se sentia afetivamente ligada)
A “iluminação”, que as viagens pela Índia - as de Maurizio e as suas! - propiciariam , subentende-se como resposta a íntima necessidade de estruturar uma caótica sensação de perdas sucessivas ... e de autocomprazimento com a idealização da sua pessoa, já não cingida a ela mesma, mas enquanto fase transitória de sucessivos estágios até ao prometido desenlace libertador.
Confesso que o fascínio pelos retratos do passado - mormente os dos meus próprios familiares! - não radicam na mesma expetativa de descobrir-me a reencarnação de quem quer que seja. Como diria o Fernando Botero, sou único e em mim me extinguirei. Mas fica sempre a curiosidade quanto a saber quem seriam esses desconhecidos, que se foram reproduzindo, gerações após gerações, para deles surgir como rebento.