Nos três anos, que estive no paquete «Funchal» devo ter ido mais de vinte vezes ao fiorde de Geiranger, muito justamente reconhecido como Património da Humanidade devido à beleza indizível da paisagem. A navegação pelas águas tranquilas rodeadas de altas montanhas donde se despenhavam abundantes cascatas («As Sete Irmãs»), constituía um dos pontos altos dos cruzeiros até ao Cabo Norte. E quase sempre o navio tinha como passageiros os noivos e os seus convidados, que aproveitavam as horas de estadia ali para celebrarem esponsais junto ao hotel, que tinha uma cachoeira a desaguar ali perto.
Por muitos anos, que ainda viva, esse é dos postais colhidos ao vivo, que nunca deixarão de me acompanhar. Compreende-se, pois, que tenha alimentado por «Bolgen» uma natural curiosidade, mesmo considerando as críticas negativas assinadas por gente respeitável a propósito de um filme-catástrofe, tido como seguidor acrítico do modelo norte-americano. Ou seja com famílias muito unidas em risco de se desagregarem, mas que se salvam todos no fim, e com alguns exemplos sacrificiais para incrementarem a vertente dramática da intriga. Quanto aos efeitos especiais, embora não deslumbrem, também não deslustram, embora a verosimilhança não seja a sua maior preocupação.
Constatamos nele todos os habituais estereótipos, que levaram Hollywood a integrá-los numa espécie de cânone do género. Mas, no entanto, tem Geiranger e isso faz toda a diferença, porque podemo-nos abstrair da estória e concentrarmo-nos na paisagem. Para quem a não conhece ao vivo a bidimensionalidade bastará para se deixar entusiasmar. Mas para quem resgata da memória o seu registo tridimensional, a experiência ainda consegue ser mais grata.
Há, porém, um efeito perverso no filme: eu que gostaria de ali voltar, nem que fosse por mais uma vez, vi-me a considerar se seria boa ideia tendo em conta a possibilidade levantada pelos argumentistas. E, por certo, se fosse norueguês, e ali vivesse, talvez me apressasse a procurar subsistência noutro qualquer local que não aquele.
Desconhecendo se o Turismo norueguês contribuiu para o financiamento da produção, diria que a tal ter acontecido, significaria um clamoroso tiro no pé. Seria algo semelhante a imaginar que Paulo Branco produzisse uma grande produção do Joaquim Leitão, em que o tema fosse uma réplica do terramoto de 1755 nos dias de hoje, e o levasse a concurso aos principais festivais de cinema com distribuição garantida nos principais mercados europeus, asiáticos e americanos. Em tempo de grande boom turístico não me lembraria de tão evidente ato de sabotagem...
Sem comentários:
Enviar um comentário