segunda-feira, maio 25, 2020

(DL) Nas estepes da Ásia Central


Sempre gostei de viajar, muito antes sequer de umas dezenas de navios mercantes me terem propiciado o conhecimento das mais variadas geografias em todos os continentes. No fundo herdei os genes de um progenitor que, nesta altura do ano, costumava sentar-se na mesa da cozinha com mapas das estradas para anotar num caderno os percursos a percorrer nos oito ou quinze dias de verão destinados a ir de carro país fora à descoberta de paisagens, que ficariam perenemente na memória.
Compreende-se que aprecie bastante os livros de viagens. Quer as do passado, verdadeiras ou imaginárias - as de Marco Polo, Fernão Mendes Pinto ou Júlio Verne -, quer as mais recentes, aquelas em que aventureiros atuais procuram fixar em livro, ou em filme, o que resta de civilizações condenadas pela rapidez com que a aculturação cosmopolita tende a extinguir.
No final da década de 90 do século passado, Sylvain Tesson e Priscilla Telmon, ambos então ainda na casa dos vintes, empreenderam uma movimentada aventura pelas estepes da Ásia Central, entre as fronteiras do Cazaquistão e as margens do lago Aral. Foram três mil quilómetros percorridos a cavalo por estepes, montanhas e desertos, ao encontro dos nómadas, que os foram abrigando nas suas iurtas e partilhando-lhes o quotidiano pontuado pelas tarefas simples como acender o fogo ou cuidar dos animais. Ou fazendo brindes com kumis, bebida alcoólica feita de leite de égua fermentado, enquanto escutavam as muitas histórias através das quais os mais velhos transmitem à criançada o fascínio pelos cavalos, que lhes dão a sensação de terem asas.
Não faltaram dificuldades ao longo da longa viagem: um cavalo que quase se afogou num pântano, a fuga a guerrilheiros islâmicos ou a venalidade dos polícias nas fronteiras entre os vários países que percorreram - o Tadjiquistão, o Quirguistão ou o Uzebequistão. E a menor das surpresas foi a quase unanimidade com que ouviram dos adultos a saudade dos tempos de Brejnev, quando a União Soviética lhes facilitava a difícil vida que enfrentam...

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