segunda-feira, março 12, 2007

AGNÉS BERT: TU SERÁS UM HOMEM, FILHA!

«Tu serás un homme, ma fille» foi o documentário transmitido pela Arte para celebrar a efeméride. Da autoria de Agnés Bert mostra como em zona recôndita da Albânia existe um costume singular: certas mulheres são instadas a, desde a puberdade, a assumirem uma identidade masculina.
A realizadora entrevistou algumas delas para perceber o que esteve na génese de tão singular opção: nuns casos a razão parece ter a ver com uma efectiva masculinidade genética, mas noutros casos tratou-se de uma imposição paterna com tudo o que essa vontade pressupunha numa sociedade profundamente patriarcal.
O que parece evidente é a desconfiança dos conterrâneos pela ambígua postura dessas mulheres-homens, que revelam até competência em tarefas comummente destinadas aos homens (mecânicos, motoristas, pastores). Mas o interesse maior do documentário reside na capacidade da realizadora para tudo isso traduzir em imagens cuidadas, com enquadramentos bem recortados…
Segundo a revista de programas do canal franco-alemão este filme merece a seguinte recensão:
Num jardim verdejante com ervas daninhas, um velho seco de carnes apanha uma galinha e decepa-a com um machado. Mas haki não gosta de depenar a criação: «antes dos 40 anos nunca fiz trabalhos de mulher. Agora, que vivo sozinho, vou ter de me habituar»
A sua silhueta longilínea, o cigarro permanentemente na boca e o fato de homem são características enganadoras: Haki é uma mulher.
Nas aldeias do nordeste albanês, à volta de Bajram Curri - elas são várias a viverem como homens. A tradição a tal as autoriza - ou mais precisamente o «kanun», lei arcaica que rege as relações sociais há vários séculos. Nas famílias que tenham perdido um pai ou um filho, uma rapariga poderá preencher o papel de chefe de família. E as que se recusem a submeter-se à sua dura condição de mulher podem igualmente adoptar esse estatuto masculino. Na condição de jurarem ser eternamente virgens.
Haki, Solol, Shkurtan e Samic fizeram essa escolha. Por vontade própria, para ajudar as famílias, por sede de liberdade - frequentemente uma subtil mistura das três. Renunciaram ao casamento, à maternidade, ao amor. Em troca, ganharam o direito de ir aonde lhes apeteça., de não se submeterem a um marido ou a um irmão.
À força de obstinação e de trabalho ganharam o respeito de todos.
Neste belo recanto dos Balcãs, a realizadora encontrou diversas mulheres apostadas em serem homens. Entre elas, destacam-se os rostos de Haki, Samie, Sokol e Shkurtan.
Samie, que deve andar pelos cinquenta anos, é a mais nova. As outras três mulheres são da geração anterior.
Sozinhas ou rodeadas de familiares, sob as árvores dos jardins ou no interior de casa, cada uma revela-se: porque fizeram essa opção, como viveram, que espaço ocupam na comunidade.
Numa sociedade ainda largamente dominada pelos homens, há algo que se repete. «não tinha vontade de sofrer como todas as mulheres», dizem em uníssono.
A necessidade de dirigir a família depois da morte de um pai ou de um irmão só deu o álibi para essa decisão. Agnés Bert encontrou a distância necessária para filmar essas palavras: sem exagerado voyeurismo e com uma autêntica generosidade.
Confiantes, as mulheres revelam-se amiúde divertidas…
O cenário dessas confidencias é o de uma região magnífica: as folhas rumorejam e filtram uma belíssima luz de Verão. O que só aprofunda a impressão de serenidade inerente a esses testemunhos, quando se sabe quão difíceis terão sido os passados de tais mulheres...

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