sexta-feira, outubro 28, 2011

Documentário: COMBATENTES DA SOMBRA (2) de Bernard George

No segundo episódio da série de Bernard George já encontramos a Europa ocupada à excepção das Ilhas Britânicas, aonde se tinham acolhido reis, príncipes, presidentes e primeiros-ministros dos países sujeitos ao jugo nazi. Estamos em 1941 e um resistente francês recorda como se sentia minúsculo na sua concepção de cidadão de um país, que deixara de existir…
Os primeiros movimentos de contestação começam a gerir tipografias clandestinas para impressão de jornais e panfletos clandestinos, muitas vezes distribuídos por jovens alunas das escolas.
Muitos anos depois, uma das resistentes belgas evoca o perigoso episódio do seu passado, quando a bicicleta foi abalroada por um camião com dois jovens soldados alemães, que não descansam enquanto não lhe põem o velocípede a reparar e ela em casa da mãe … sem vasculharem-lhe a mala cheia de material clandestino.
Na Resistência polaca a estratégia é outra: criar uma rede de escolas clandestinas, que mantivesse viva a identidade e a cultura do seu povo, contrariando assim a estratégia de assimilação alemã.
Mais a oriente, com a Operação Barbarossa, o exército nazi penetra profundamente em território soviético, provocando uma verdadeira carnificina já que a ordem dos altos comandos da Wehrmacht é para que nãos se façam prisioneiros.
As primeiras bolsas de resistência são formadas por soldados russos, que sobreviveram à matança,  escondidos em florestas na retaguarda inimiga, e que a começa a fustigar de forma a colocá-la entre dois fogos.
Sem o saberem eles já estão a seguir as orientações de Estaline quanto a um levantamento geral contra o fascismo internacional, conjugando forças com outras formações políticas democráticas.
Tito é quem se mostra mais resoluto nessa linha, mantendo alemães e italianos sob a ameaça de permanentes emboscadas por toda a antiga Jugoslávia.  E, ali ao lado, na Grécia, uma ambiciosa operação conduzida a partir de Londres, destrói um importante ponto de passagem da logística militar destinada aos exércitos do Eixo no sul da península.
O sucesso desta última operação demonstra aos Aliados as vantagens de concertarem esforços com os resistentes, que lutavam diariamente contra a presença alemã nos seus países.



sábado, outubro 22, 2011

Documentário: COMO DEVE SER de Abílio Leitão (2011)

Há documentários, que conseguem ser extremamente interessantes na revelação de conhecimentos que, até os vermos, nos escapavam.
Foi o que me sucedeu com este título de Abílio Leitão, dedicado ao pintor Eduardo Batarda, de quem sabia tão pouco. Para além de o situar como referência das artes plásticas portuguesas nas últimas décadas, conotava-o muito mais como progenitor da sua filha actriz do que com uma obra, que me passara completamente ao lado.
E, no entanto, o que o filme desvenda, aponta para diversos motivos justificadores de um renovado interesse por ela. Porque, dividida por várias fases, ela tanto consiste numa espécie de banda desenhada aonde múltiplas histórias são contadas, muitas delas com uma conotação explicitamente sexual, como logo investe num abstraccionismo povoado por símbolos e de intenções implícitas.
Ouvi-lo explicar os conceitos subjacentes a alguns dos seus quadros basta para perceber o quanto eles possuem afinal uma chave de leitura muito acessível. Por exemplo não me passaria pela cabeça, que umas letras e uns números espalhados por um quadro - c, d, 1, g - significasse «cara de um gajo». Ou que ele assuma a opção sucessiva por linhas, ondas, curvas e outras formas geográficas, até chegar aos presentes bicos, «destinados a meninos ricos»
Pelos testemunhos de muitos amigos - Fernando Lopes, Artur Rosa, Paula Rego (impagável a sua evocação das bebedeiras partilhadas nos anos 70, quando «batiam com a cara no chão»!), Maria João Seixas - ou de críticos - João Fernandes, João Pinharanda - seguimos um percurso biográfico, que começa em 1943, passa pelos estudos de Medicina em Coimbra (quando tinha apenas 16 anos) e de Belas Artes em Lisboa (aonde daria a volta ao miolo de muita menina romântica, fascinada por aquele garboso espécime), até chegar à sua estadia em Londres.
Depois é o regresso a Portugal com a Revolução de 1974 e a sua colaboração jornalística no «Sempre Fixe». Nas Galerias Quadrante ou 111, ou nas exposições em Serralves, o seu prestígio de criador consolidar-se-á progressivamente.
No rescaldo dos fervores revolucionários (que encheram de referências a sua obra, radica-se no Porto enquanto severo (e mal amado) profesor de gerações de futuros artistas, depois de episódicas colaborações cenográficas no Teatro da Cornucópia.
Fica a sensação de ele possuir uma fina ironia, expressa quase sem alterar a sua fisionomia séria, mas que ilude a sua verdadeira vocação humorística...

sexta-feira, outubro 21, 2011

Documentário: COMBATENTES DA SOMBRA (1) de Bernard George

Agora que os sobreviventes da Segunda Guerra Mundial estão aceleradamente a reduzirem-se em número e em lucidez para prestarem testemunho das suas vivências, ocorre uma verdadeira corrida contra relógio a resgatar o mais possível as suas incríveis experiências.
No caso de Bernard George o tema será o dos combatentes da sombra, ou seja, aqueles que não aceitaram a ocupação alemã e tudo fizeram para que, nos seus países, essa realidade fosse inflectida.
O primeiro episódio da série intitula-se «Os difíceis começos da Resistência entre 1939 e 1941» e inicia-se com as tranquilas imagens de Varsóvia em vésperas de ser fustigada pelo primeiro bombardeamento da  Luftwafte. Surgem então as imagens desses anciãos, que eram então crianças ou adolescentes atónitos com a surpresa instalada nos seus dias. É por eles que ficamos a saber da ilusão por que passavam os seus contemporâneos: tratar-se-ia de aguentar a invasão durante o Inverno já que, pela Primavera os ingleses e os franceses teriam virado a guerra a seu favor.
Ledo engano: na primavera de 1940 os alemães avançaram para a Noruega apossando-se da Dinamarca pelo caminho, contando para tal com a colaboração do rei, que colocou a polícia como força apoiante do exército nazi.
Na Noruega a colaboração do governo local, chefiado por Quisling, com o ocupante ainda se revestiu de um empenho mais chocante. Muitos dos noruegueses não se reviram desde a primeira hora com a traição inaceitável dos seus dirigentes.
Em Maio de 1940 chega a vez de Bélgica, Luxemburgo e Holanda conhecerem a mesma desdita, tanto mais que os panzer alemães só travam à sombra da Torre Eiffel. Nessa França opõem-se duas atitudes distintas: a de Pétain, de completo colaboracionismo com os antigos inimigos, e a de De Gaulle, que de Londres se passou a servir das ondas da BBC para incitar os compatriotas à luta  clandestina.
A vitória a ocidente liberta os nazis de escrúpulos a leste, aonde a sua política de extermínio das populações não arianas começa a implementar-se: os judeus de Varsóvia são desapossados dos seus bens e confinados ao pequeno bairro do gueto de Varsóvia aonde a fome e as epidemias de tifo provocam inúmeras mortes.
Se a Resistência se limita então a pequenas sabotagens, a mais mediática acabou por ser a empreendida por jovens gregos para quem a suástica desfraldada na Acrópole constituía uma afronta inaceitável.
Retirá-la e rasgá-la constituiu assim um acto de contestação, que ainda hoje orgulha quem em tal operação participou.


segunda-feira, outubro 17, 2011

Bucktown Trailer Blaxploitation

Filme: BUCKTOWN de Arthur Marks (1975)

Não recordo que os filmes da corrente «blaxploitation» tenham tido particular reconhecimento no Portugal pós-25 de Abril. O interesse das plateias cinematográficas andava então a derivar por estímulos completamente diferentes de pouco lhes interessando este tipo de filmes policiais de pequeno orçamento cujo maior interesse resultava numa inversão do habitual papel rácico dos protagonistas: em vez de um justiceiro branco contar-se-ia neles com um de raça negra.
Quentin Tarantino, que tanto prezou este tipo de filmes, viria a homenageá-los recorrendo a Pam Grier, a co-protagonista de muitos desses títulos.
Em Bucktown a intriga não poderia ser mais simples: existe uma cidade em que os polícias brancos detêm todo o poder, colhendo percentagens de todos os negócios aí existentes.
Vindo para o funeral do irmão Duke apercebe-se dessa realidade - que terá estado na origem dessa morte - e decide fazer justiça mediante a ajuda providencial de um amigo de infância, Roy, que ali desembarca com os seus capangas.
Só que, estes últimos não fazem a limpeza e desaparecem. Pelo contrário apossam-se do território dos anteriores ocupantes e ainda mais apertam o garrote no pescoço dos comerciantes.
O filme desenvolver-se-á, pois, em torno da libertação de Bucktown de todos os mafiosos, que a impedem de ser um sítio agradável para viver.
A realização é básica, equiparada a uma interpretação sem qualquer rasgo de genialidade. No fundo um entretenimento para plateias negras numa altura em que o cinema  - acossado pela televisão - procurava rentabilidade em todos os nichos específicos de espectadores.

sábado, outubro 15, 2011

Trailer do filme "O último voo do Flamingo"

Filme: O ÚLTIMO VOO DO FLAMINGO de João Ribeiro

Tizangara, Moçambique, em 1994. Ou seja quando, derrubado o muro de Berlim, deixaram de ter sentido expressões do tipo «viva o proletariado internacional».
Massimo Ricci é incumbido pelas Nações Unidas de investigar as razões porque tinham desaparecido em explosões seis capacetes azuis ali instalados para assegurarem o cumprimento da paz entre a Frelimo e os bandidos armados da Renamo. Do mais recente morto sobrara o seu pénis erecto a emergir da terra debaixo de frondosa árvore.
Acompanhado de Joaquim, seu intérprete, o italiano tem pressa em conduzir a investigação até à desejada conclusão e sem se intrometer nas idiossincrasias locais. Não o impressionam as crenças desse mesmo Joaquim, que lhe chega a dizer que não é pelo facto de não falarem, que os mortos não os deixarão porventura de ouvir. Trata-se, pois, de terra aonde se respeitam os mortos para além do que ele está habituado.
Mas é pelas mulheres, que Massimo começa a ver a realidade a modificar-se, nomeadamente quando se relaciona com a estranha Temporina, que tanto parece uma velha, como logo se transforma na rapariga de vinte anos com quem aprende a levitar.
Para Estêvão Jonas, administrador da aldeia, existe tal urgência em ver-se livre de Massimo, que arranja um padre como confesso culpado das mortes. Mas, azar o seu, o suspeito estava preso, quando explode a sétima vítima.
É pelo proscrito pai de Joaquim, que Massimo descobre a verdade: para manter intocado o seu poder político, Jonas voltara a disseminar minas pela região argumentando com o estado de emergência suscitado pela guerra a necessidade de preservar o seu corrupto exercício do poder.
Desmascarado ele ainda tenta fazer explodir a barragem para inundar definitivamente a aldeia, mas acaba por ver desarticulado tal plano.
É altura de happy end: Massimo volta a voar com Temporina e o pai de Joaquim regressa a casa…
Embora os romances de Mia Couto sejam muito mais eloquentes na forma escrita do que na sua tradução em imagens cinematográficas, o filme de João Ribeiro constitui uma boa forma de recordar a imaginação do grande escritor moçambicano.


Documentário: LENI, LA VIE APRÈS LA MORT de André Dartevelle

No Inverno de 1944 a Bélgica e o Luxemburgo foram fustigados por uma ofensiva alemã que viria a ser conhecida como a batalha das Ardenas.
A guerra estava praticamente perdida para os nazis - Hitler morreria quatro meses depois no seu bunker -, mas eles iriam revelar nessas curtas semanas a crueldade própria dos que nada tinham a perder. E os que sobreviveram a esses acontecimentos eram, então, crianças, que hoje evocam as suas memórias com sessenta anos de distância.
As batalhas então ocorridas, e que apanharam de surpresa os GI’s norte-americanos, não implicaram prisioneiros: fossem militares ou civis, os alemães a todos consideraram como inimigos a quem se justificava tirar a vida. Fosse por fuzilamento, fosse pelo incêndio de granjas aonde os encerravam.
É a lógica da intimidação pelo terror, que começa por resultar nos primeiros dias, mas que se virará contra os invasores nos dias seguintes.
Nunca se identificando os protagonistas, senão quando se tratavam dos criminosos comandantes alemães, o filme expressa, sobretudo, o lamento destes sobreviventes, que viram morrer pais, irmãos e outros familiares e só podem imaginar o que teria sido a vida com a sua enriquecedora presença.
Nalguns casos, o realizador intercala imagens de arquivo particularmente impressionantes como o são as colhidas pelo padre de Saintlez em 1940, com pessoas felizes envolvidas nas fainas campestres e a quem estaria reservada tão triste sina.
Outro aspecto, igualmente pouco conhecido, foram as sequelas dos bombardeamentos aliados, que também provocaram muitas vítimas na população civil. Ou as penas relativamente leves atribuídas aos principais responsáveis pelas matanças, depois da vitória final.
Mas o título do filme resulta do reencontro de Marcelle e de Leni, duas amigas, que nunca mais se tinham visto desde crianças e agora reencontradas na condição de velhas senhoras.
Havendo tanta forma de abordar os temas relacionados com a II Guerra Mundial, a opção de Dartevelle é particularmente eficiente por apostar sobretudo nas reminiscências traumáticas de gente anónima, porém forçada a protagonizar episódios de uma excepcional dimensão histórica e psicológica...

terça-feira, outubro 11, 2011

Ministry of Fear (1944) Trailer

Filme: «PRISIONEIROS DO TERROR» de Fritz Lang (1944)

«Ministry of Fear» é um filme policial dirigido por Fritz Lang em 1944, baseado no romance homónimo de Graham Greene, publicado no ano anterior. Estávamos, pois, em plena época da II Guerra Mundial, quando urgia encontrar um discurso propagandístico, que garantisse a adesão das sacrificadas populações aliadas ao esforço de guerra contra os nazis. E nada melhor do que dar ao mais importante realizador alemão dessa época os meios para expressar essa militância.
Ademais havia que pôr de sobreaviso as populações aliadas quanto às infiltrações inimigas nas instituições governamentais dos seus países.
Assim se explica este «Ministério do Medo», incompreensivelmente traduzido como «Prisioneiros do Terror».
O filme conta as vicissitudes por que passa um homem acabado de sair de um manicómio e logo envolvido numa trama complexa aonde se movimentam agentes do Reich infiltrados nas instituições inglesas. Nada se teria passado se Stephen Neale não se deixasse seduzir por uma quermesse popular em Lembridge e pela possibilidade de ganhar um bolo em função da adivinhação do seu peso.
Instado a visitar a barraca da vidente Mrs. Bellane  ele solta uma frase de circunstância em que a manda esquecer o passado e contar-lhe o futuro, o que constitui uma senha para se ver na posse do tal bolo, que depressa é  pressionado para devolver, já que ocorrera um equívoco singular.
Mas quem o convenceria a separar-se do seu troféu? Só um falso cego, que com ele irá partilhar a carruagem do comboio entre Lembridge e Londres e o agride à primeira oportunidade
Saltando do comboio em sua perseguição, Neale vê o agressor ficar estilhaçado por uma bomba alemã, nada parecendo sobrar dele ou do  bolo. Mas intrigado com o que lhe acontecera, Neale investiga em Londres a Sociedade das Nações Livres, organização responsável pela quermesse de Lembridge.
É assim que conhece dois irmãos austríacos, Willi e Carla Hife, que escaparam às perseguições nazis no seu país e agora organizam recolhas de fundos para apoiar o esforço de guerra aliado. Consegue a morada de Mrs. Bellane e dirige-se aí acompanhado do simpático George… mas trata-se de uma mulher bem diferente da que estivera envolvida no episódio do bolo em Lembridge. Mas, igualmente perigosa, já que convida os seus visitantes para uma sessão espírita em que um dos participantes é morto a tiro, ficando Neale como suspeito principal, obrigado a fugir para escapar à polícia.
Como é próprio dos filmes desta época, será o verdadeiro vilão a supostamente ajudar o protagonista, perdurando-se no espectador a sensação de se tratar de alguém de muito simpático. Estamos a falar, obviamente, de Willi Hife, cujas ligações aos nazis eram completamente desconhecidas pela irmã, depressa envolvida emocionalmente com Neale. Que lhe conta como se vira acusado de homicídio por, dois anos antes, ter facilitado o inevitável desiderato da esposa, então a viver o sofrimento de uma doença incurável em estado terminal. Assim, se explica a brevidade e o tipo de pena a que ele fora sujeito…
Agora o casal escapa a um atentado à bomba e, internado no hospital, a recuperar dos ferimentos, Neale convence o desconfiado inspector Prentice, da Scotland Yard, a acompanhá-lo nas investigações conducentes à demonstração da sua tese: que a organização de Willi Hife é uma mera fachada de uma rede de espiões nazis. Que acabam mortos ou aprisionados…
É claro que, hoje, este filme constitui uma mera curiosidade cinéfila...

domingo, outubro 09, 2011

Inception Teaser Trailer!! **OFFICIAL** HD

Filme: «A ORIGEM» de Christopher Nolan

De que matéria são feitos os nossos sonhos? Muito embora haja muito boa gente capaz de recordar as vicissitudes oníricos das suas noites, e com isso dar trabalho de sobra a psicanalistas, a grande maioria esquece-as facilmente!
O que fascina no filme de Christopher Nolan - para além dos seus sofisticados efeitos especiais - é pegar nalguns dos mitos relacionados com os sonhos para os traduzir numa aventura movimentada em que personagens conseguem concertar-se nos mesmos cenários e circunstâncias, passando por níveis sucessivos em que  as diferenças em relação à realidade se tornam cada vez mais abissais.
O risco maior residirá em morrer sem conseguir evadir-se a tempo para a realidade, ficando assim condenado a um limbo donde não se conseguirá regressar…
Para Dom Cobb (Leonardo di Caprio), que exerce a profissão de Extractor, a missão passa por implantar a ideia de estilhaçamento de um oligopólio da indústria energética na mente do seu herdeiro, agora que o patriarca morre numa cama de hospital. Mas Cobb é perseguido pelos seus demónios interiores, representados pela mulher, Mal (Marion Cottillard) a quem tentara em tempos implantar uma ideia e vira-a a misturar em definitivo a realidade com os sonhos, passando a acreditar serem estes últimos a verdadeira faceta daquela.
Mesmo algo confuso nalguns dos seus desenvolvimentos, Nolan consegue levar a história a bom porto, fazendo-nos crer na exequibilidade do que vemos...

sexta-feira, outubro 07, 2011

Filme: «G.O.R.A» de Omer Sorak (2004)

Um filme de ficção científica produzido na Turquia? A estranheza do objecto aconselhava a que o visse, quanto mais não seja para ajuizar a sua eventual originalidade. Tanto mais que se trataria de obra destinada a um público mais vasto do que os das salas de arte e ensaio e, como tal, seria conveniente vislumbrar o tipo de mensagens ideológicas nela veiculadas.
É claro que só podia redundar em desilusão, porque, embora dotado de meios de produção muito razoáveis e com efeitos especiais uns furos acima dos de Ed Wood, a história é tão pobrezinha, que chega a merecer a condescendência reservada aos pobres de espírito.
Ela resume-se a isto: um guia turístico e vendedor de tapetes, tipo canastrão do mais alto coturno, é raptado por uma nave alienígena e levado para o planeta G.O.R.A.
Aí vem ao de cima o seu lado espertalhão para livrar-se da escravatura das minas e conseguir a conquista do coração da bela princesa a cuja mão aspira o vilão de serviço, precisamente o comandante da nave que o raptara.
O nacionalismo exacerbado do filme explicita-se na superioridade de tudo que tenha a matriz turca: a língua, a moeda, a música, os filmes românticos… e até a referida princesa, afinal filha de outro turco anteriormente levado da Terra...
As referências a filmes do género vão surgindo a par e passo, mas é necessário arranjar paciência de santo para alcançar o genérico final…
Da Turquia já vimos excelentes filmes alizadores como Yilmaz Guney, Zeki Okten ou Nuri Bilge Ceylan. Mas o cinema de cariz mais comercial, como é este o caso, adopta o nível rasteiro tão comum em quem tende a considerar os espectadores como mentecaptos...

quinta-feira, outubro 06, 2011

The Lovely Bones Trailer

Filme: «Visto do Céu» de Peter Jackson

«Visto do Céu» é um filme singular para ser visto e discutido por quem tem ideias distintas sobre a possibilidade de uma existência para além da morte física do corpo.
Neste caso em concreto temos a história de uma rapariga de 14 anos, da Pensilvânia, que é morta por um predador sexual.  E, durante todo o filme vê-la-emos subsistir num limbo entre esse assassinato (que é mais sugerido do que mostrado no seu horror!) e a sua definitiva libertação - a que lhe garantirá a transição para o paraíso - agarrada que fica à observação da sua falta junto dos pais  e do potencial namorado, que nunca chegara a beijar.
Para um ateu, como é o meu caso, a ligação desta hipótese  metafísica à realidade é nula, restando admirar a consistência do conceito do ponto de vista ficcional e a beleza das imagens e efeitos especiais concebidos pelo mesmo realizador de «O Senhor dos Anéis».
Mas para um católico estão aqui os dois tópicos principais da sua ideologia religiosa: por um lado o martírio e a consequente compensação da alma da vítima; por outro, o crime e o consequente castigo.
Por entre essas duas leituras possíveis cabe apreciar o trabalho dos intérpretes  - do seguro Mark Wahlberg à sempre excelente Rachel Weisz, da histriónica Susan Sarandon ao credível Stanley Tucci no papel de vilão, sem esquecer a beleza surpreendente da rapariga assassinada (a até agora desconhecida Saoirse Ronan).
Mas fica também a sageza de Jackson em escapar aos estereótipos mais primários: o criminoso morre acidentalmente sem os pais da rapariga virem a saber do seu fim e o próprio corpo dela jamais será encontrado, já que se afunda no lago da lixeira aonde foi abandonado dentro de um cofre. Para um público demasiado habituado à identificação com os personagens da tela, terá havido quem se tenha sentido defraudado com a solução final do filme.
Mas, à luz do livro do Julian Barnes, recentemente lido («Nada a Temer») e cujo tema é a nossa atitude face à morte, caberá perguntar: se soubéssemos que, no Além, iríamos encontrar os sítios idílicos concebidos pela imaginação do realizador, ainda teríamos medo de desaparecermos desta vida? Não foi por se julgarem a caminho de um paraíso com milhares de virgens à espera, que os suicidas da Al Qaeda atiraram com os aviões do 11 de Setembro contra as Torres Gémeas?
Seria bom contarmos com uma crença semelhante, mesmo que absurda, para não desesperarmos perante o balanço cada vez mais negativo entre a parte de cima da ampulheta e a parte de baixo. Mas não vale a pena acreditar em pais natais. O mais credível continua a ser o definitivo desaparecimento do corpo, sem que nada reste da pessoa que o terá habitado...

domingo, outubro 02, 2011

Ieri Oggi Domani

Filme: «ONTEM, HOJE E AMANHû de Vittorio di Sica

Em 1965 foi este o filme estrangeiro a merecer o Óscar da Academia de Hollywood, apesar de ter estreado dois anos antes.
Sophia Loren estava, então, no auge da carreira e Marcello Mastroianni ia consolidando a reputação de actor vocacionado para papéis de amante latino, pelo que o projecto produzido por Carlo Ponti tinha todas as condições para ser um grande êxito de bilheteira.
Porém, quase quarenta anos passados, o filme já envelheceu, à medida da mudança operada nos valores, que justificavam alguma sedução maliciosa. Nomeadamente quanto ao que fundamentava o primeiro dos três episódios, que o constituíam e baseado numa ideia de Eduardo de Filippo: a sexualidade exigente da protagonista, que obriga o marido a refugiar-se na casa materna (e o que as «mammas» italianas tanto invocaram!) para descansar dos  fulgores conjugais da sua fogosa Adelina.
Na origem da história, De Filippo tivera em conta o episódio verídico da contrabandista de tabaco Concetta Muccardi que, baseando-se numa lei impeditiva de levar para a prisão uma mulher grávida, decide evitá-la fazendo dessa condição o seu estado normal. Terá assim sete filhos, que é aonde Adelina chegará até o extenuado Carmine manifestar a sua definitiva incompetência, sujeitando-a enfim ao cárcere.
Nessa altura De Filippo consegue concluir o episódio de uma forma inteligente, pois faz com que o povo de Furcella se quotize para pagar a multa e liberte a prisioneira dando um bom exemplo de solidariedade popular.
Se o primeiro episódio era passado em Nápoles e acentuava o lado popular da sociedade italiana, o segundo vira-se para o norte industrial, em cuja capital, Milão, Alberto Moravia imagina um exemplo lapidar da existência de classes sociais. Anna é a mulher de um endinheirado empresário, que lhe possibilita a aquisição de vistoso descapotável.
Nada mais natural do que ir estreá-lo na companhia do jovem amante, um escritor sem posses pouco convencido das potencialidades daquela relação tão desigual. Mas a caprichosa Anna nem o quer ouvir e até o obriga a conduzir o carro, o que terá consequência desastrosa: distraído ele despista-se e causa-lhe mossas na imaculada carroçaria.
Tanto basta para Anna o desprezar violentamente, evidenciando os limites de um breve namoro em que só estava presente a mera satisfação da sua fantasia.
A concluir temos um episódio, baseado numa história de Cesare Zavattini e situada em Roma, com uma prostituta a descobrir-se vizinha de um jovem seminarista tão atraído por ela, que se dispõe a abandonar a ambígua vocação. Com Mastroianni a interpretar o  papel de um dos clientes, que nunca consegue chegar à cama, porque sempre sucede algo disso impeditivo. Embora esteja aqui a conhecida cena do strip tease, que Robert Altman glosará, décadas depois, no seu Prêt-à-porter, quando  abordou o envelhecimento dos antigos amantes.
O filme vê-se ainda com agrado, mas como objecto museológico característico de um tempo definitivamente ultrapassado.

Livro: «O HIPNOSTISTA» de Lars Kepler

Confesso a minha desilusão com o livro do casal Alexander e Alexandra Coelho Ahndoril. A minha costela nacionalista pode ficar algo sugestionada pelo facto de ela ter origem portuguesa, mas não vejo grandes motivos para se enaltecer um romance confuso, construído às três pancadas e em que se lançam frequentes derivações, que só são becos sem saída, logo abandonados, quando se compreende a sua irrelevância para a resolução dos enigmas propostos.
Que o romance escandinavo conte com talentos da dimensão de um Henning Mankell é algo que convém reconhecer. Mas à volta de autores bastante interessantes há os que cavalgam a onda, conseguem vender uns livros, mas nada neles justifica a conquista de uma perenidade….

sábado, outubro 01, 2011

Ensaio do concerto de abertura Gulbenkian Música 11-12

Haydn: Die Schöpfung (The Creation), Singt dem Herren alle Stimmen! (Sir...

Concerto: «A CRIAÇÃO» de HAYDN na Gulbenkian

Na última década do século XVIII, Haydn viajava entre Londres e Viena, aonde a sua obra merecia significativo reconhecimento.
Foi numa das estadias em Londres, que se sentiu impressionado pelos concertos com as oratórias «Messias» e «Israel no Egipto» de Haendel na abadia de Westminster. A majestosidade do cenário, associado às centenas de intérpretes de reportório tão impressivo, deram-lhe a súbita vontade de trilhar idêntico percurso criativo.
Ora, esse antecessor chegara a ter um libreto disponível para uma nova oratória, que nunca chegaria a compor: «A Criação» baseada nos textos bíblicos (Genesis e Salmos) e num poema de Milton («Paraíso Perdido»).
Haydn pega nesse libreto e dedica-se a ele a partir de 1796, concluindo a sua obra dois anos depois, quando a estreia em privado, só a apresentando publicamente em 1799. Recorrendo a áreas, a recitativos e a trechos corais, ele sugere uma grandiosidade da obra divina, que condiz com as suas preocupações místicas.  Em plena Europa das Luzes, cujo optimismo ele também perfilha, Haydn conhece grande sucesso por ir ao encontro de uma cada vez maior tradição vienense pela música erudita.
Na versão ontem e anteontem apresentada na Gulbenkian, no concerto de inauguração da temporada, a orquestra e o coro da instituição merecem tão exaltante elogio quanto o jovem maestro letão Ainars Rubikis, estrela ascendente do panorama musical dos nossos dias, na linha de um Dudamel, que o antecedeu enquanto vencedor do prestigiado prémio Mahler para recompensar a excelência dessa arte.
De tão gratificante espectáculo ficam apenas as dúvidas quanto à aparente mediania dos cantores: a soprano Ruth Ziesack, o tenor Robert Murray e o barítono Neal Davies.
Em contraste com o pobre início de temporada do CCB, o da Gulbenkian reagiu à pusilanimidade destes tempos difíceis  com um concerto exaltante na capacidade para crer que há sempre universos por criar a partir de qualquer caos inicial...