segunda-feira, agosto 31, 2009

O mito Rommel

Que se poderá dizer de um homem como Rommel? Embora haja muitos crédulos dispostos a rever os comportamentos criminosos dos seus idolatrados «nazis de bom coração», a verdade é que todos eles eram parte integrante de um sistema cujas injustiças deveriam ser óbvias logo à primeira abordagem. Incluindo os que haveriam de atentar contra Hitler e acabariam por ser sumariamente fuzilados por isso mesmo.
Para a maioria dos Rommels da Wehrmacht a ditadura de Hitler nunca constituíra problema enquanto os efeitos mais drásticos da sua política tomavam como vítima os judeus e os comunistas. Para tais militares o regime nazi trouxera promoções e agradáveis regalias, que os cegava quanto ao beco sem saída para onde se deixavam cordatamente conduzir.
A consciência antifascista só viria com os bombardeamentos aliados e a noção de se estar em vias de uma derrota passível de todas as benesses retirar.
Os últimos dois anos de vida do marechal deverão ter sido de enormes angústias pela incapacidade em travar a maré humana armada, que não tardaria a confrontar os alemães com os seus crimes. Pode-se até dar de barato, que só nessa altura ele tivesse tido conhecimento do Holocausto em curso. Mas nada disso o fará inflectir nessa lealdade a Hitler: como soldado ele limita-se a cumprir ordens, só evitando as inevitavelmente gravosas para os seus comandados. Por isso recua em El Alamein, quando a probabilidade de derrota se torna evidente.
Não se justifica assim a criação desse tal mito Rommel de que este filme não se dissocia. Nada na biografia do marechal o distingue de qualquer outro marechal ou general do seu tempo na busca de soluções para evitar um desastre anunciado. E é na plena consciência de se considerar um militar leal, que nunca admitirá possa vir de si qualquer tentativa para retirar o tapete a Hitler, que Rommel vi pressentindo o som dos tanques aliados a aproximarem-se.
A última prova do seguidismo inconsequente de Rommel em relação a Hitler está na sua própria morte: quando o cada vez mais paranóico Fuhrer lhe manda uma cápsula de cianeto para que se suicide, será sem qualquer contestação, que ele a tomará.
Admitamos que, nesse momento, já não fosse o receio do ditador, que o tenha comandado: ele já poderia pressentir que os vencedores não iriam ser complacentes com os derrotados. E o castigo prometido constituiria um insuportável enxovalho para o antigo capitão bruscamente projectado para a condição de um dos mais fiáveis símbolos do regime...

domingo, agosto 30, 2009

Um documentário de Marianne Chaud

Marianne Chaud apaixonou-se pela zona do Zanskar, zona indiana nas encostas dos Himalaias, situada a quatro mil metros de altitude e, por isso mesmo, aprendeu a língua falada pelos povos aí existentes. No seu projecto de cineasta e de etnóloga ela passou a viver uma parte do ano naquela região, convivendo com quem ali habita.
No caso deste filme ela acompanha, sobretudo, as mulheres, porque no Verão os homens estão quase sempre ausentes a ganharem algum dinheiro por fora. Cabe, pois, às mulheres o pesado esforço dos trabalhos do campo, sejam eles a ceifa da cevada ou a transumância dos iaques até aos terrenos de pasto a maior altitude.
Não há limites de idade para o labor no campo: desde que começam a andar as crianças são incentivadas a pegar na foice, assim como só a abandonam as mulheres mais velhas, quando morrem. Imagem expressiva de tal realidade é a da velha senhora cega já muito cansada, mas ainda a trabalhar acompanhada por um dos bisnetos e que morreria três dias depois dessas derradeiras imagens.
Interessantes igualmente as imagens da pequena pastora de 13 anos com uma incurável curiosidade relativamente ao mundo exterior ou as da ceifeira da mesma idade, obrigada a viver sozinha na sua parcela de terra, porque o pai morrera entretanto e a mãe estava com os iaques nas terras mais altas.
Raros são os homens ali presentes, mas um deles reflecte sobre a dureza da vida ali bem como a reencarnação depois da morte. Mas não deixando de deixar no ar a possibilidade disso não fazer qualquer sentido. Ou, mesmo que por omissão, um outro homem levado para a aldeia mais próxima para se sujeitar aos cuidados de um médico tradicional e que, passadas semanas, nada deixa transparecer do que com ele se terá passado. Fica a dúvida se ele terá sobrevivido.
O que fica subjacente a todo o filme é o facto de se tratar de um mundo em iminente mudança: anuncia-se uma estrada a passar pelo vale e com ela a imposição dessa civilização até então apenas pressentida pela passagem dos aviões no céu ou pela visita de viajantes como a realizadora. E então a acelerada invasão dos sinais de modernidade porá cobro a estes comportamentos ancestrais...

Mulheres sarauís

Num artigo do «Le Monde» recorda-se como são diferentes as mulheres sarauis em comparação com as suas islâmicas irmãs no restante Magreb.
No seio da família elas conquistaram um estatuto quase igualitário, que resulta de, desde o berço, as crianças serem prioritariamente orientadas para respeitarem em primeiro lugar a mãe, e só depois o pai.
A mulher casada não se cinge a ficar em casa, podendo sair, passear e dar opinião sobre todos os assuntos. Se usa o véu não é para corresponder a regras religiosas, mas para se proteger do Sol já que os padrões de beleza feminina tornam mais apelativo o tom de pele mais próximo do alvo. Mas, mesmo neste aspecto, a mudança está em curso: ainda há pouco uma mulher era tanto mais bela, quantos uns quilos a mais lhe arredondassem as formas. Hoje a elegância das linhas magras tornou-se regra.
Mas outra das singularidades da mulher sarauí é casar e divorciar-se com alguma frequência. Ora, longe de serem ostracizadas, as que se divorciaram não tardam a ser cortejadas por novos pretendentes estimulados pelo capital de experiência nelas acumulado.

quinta-feira, agosto 27, 2009

Inimigos Públicos

À primeira vista nunca me sentiria tentado a deslocar-me ao cinema para ver uma história de gangsters. Nem mesmo atraído por uma figura tão popular no seu tempo como foi John Dillinger, cuja ascensão e queda se deu em pouco mais de catorze meses.
Não me sentiria, igualmente, estimulado por mais uma boa reconstituição histórica da época da Grande Depressão, tanto mais que padecemos por ora uma outra de efeitos não menos gravosos.
As coisas começam a mudar, quando sabemos da presença de Johnny Depp e de Christian Bale no projecto. E que Michael Mann, o seu realizador, voltou a apostar nas câmaras digitais para conferir uma outra dinâmica e profundidade da fotografia, levando alguns a anunciarem-no pioneiro em algo de novo no cinema do futuro imediato. E que, como de costume no seu cinema, Mann mostra-se muito mais interessado em criar o ambiente inerente aos acontecimentos do que a estes em si. Por muito, que eles espelhem o fim de uma época e o início de uma outra, com a máfia e o FBI a consolidarem as respectivas organizações.
Será interessante considerar que a indústria do cinema continua a encontrar bastante matéria nos atropelados pelo fio dos acontecimentos: é dos temas mais recorrentes do imaginário dos argumentistas esse fascínio por quem pertence a um passado em vias de passar à História e não se apercebe de quanto lhe minguam, dia-a-dia as oportunidades de sobrevivência.
Será um dos temas secundários do filme, mas não deixa de ser importante: a morte de Dillinger e de outros gangsters demonstra o epílogo de uma América conotada com o espírito dos pioneiros, capaz por isso de engendrar autênticos heróis populares, substituída inevitavelmente pela cultura imperialista, que redundaria em guerras de agressões e tortura a prisioneiros.
Edgar Hoover é o inspirador de gente como Cheney ou Rumsfeld, que representaram o lado mais tenebroso de um país, que se queria de grandes princípios e acaba por comportar as maiores das perversidades entre quem o comanda. A falta de escrúpulos não emergiu apenas da Administração de George Dubliú: já tem um longo historial, que serviu para matar gangsters, agredir e perseguir comunistas e inventar álibis para bombardeamentos ou mesmo invasões guerreiras.
Dillinger surge como apenas mais uma pessoa apostada em ser feliz com quem viveu súbita e arrebatadora paixão. Mas todas as cartas do seu baralho da vida estavam viciadas...

terça-feira, agosto 25, 2009

GAY TALESE: O DESPORTO COMO METÁFORA DA VIDA

Nunca li nenhum livro do escritor norte-americano Gay Talese, mas admito tratar-se de falha grave, porquanto ele será dos mais interessantes de quantos ainda estão em actividade em tal cultura.
Um trabalho de Isabel Coutinho no «Público» dedicado ao escritor e ao por ele dito num encontro literário no Paraty justificou a curiosidade para pôr cobro a este défice cultural.
Fica, para já, o manifesto do escritor: numa América, que ainda continua a privilegiar as histórias de sucesso, como se ela representasse a terra das grandes oportunidades em vez da das imensas desilusões. Talese confessa o fascínio nele suscitado pelas pessoas que perdem. Já o sentia, há cinquenta anos, quando era jornalista desportivo e compreendia que «os jogadores mais interessantes com quem ter uma conversa eram aqueles que tinham tido uma experiência triste, que tinham feito alguma coisa errada, porque experimentaram algo que era devastador no final do jogo, mas era também uma experiência de vida. No futuro eles tinham que esquecer e ultrapassar o acontecido para conseguirem persistir como atletas.»
É nessa linha que ele se interessa por uma futebolista chinesa, que falhara o golo decisivo numa final do Campeonato do Mundo contra os EUA. Nesse caso humano ele pressentiu a possibilidade de generalizar aquele momento de derrota em algo de simbolicamente decisivo.
Decidido a escrever a sua história ele embarca para Pequim, mas mal consegue chegar à fala com a rapariga, demasiado controlada pelas autoridades a começar pelo seu treinador. Mas é aí que Talese aplica outra das suas regras: quando as circunstâncias o impedem de seguir determinado rumo ele orienta a sua história noutra direcção. E, de facto, mais interessante do que a jovem futebolista, Talese vai interessar-se pela mãe e pela avó dela, conseguindo testemunhos muito interessantes sobre a Revolução Cultural e outros momentos decisivos do regime maoista. E consegue assim abordar os temas superlativos, que estavam subjacentes às suas preocupações: o carácter, a redenção, a resignação e a perseverança.

domingo, agosto 23, 2009

Violência gratuita

Curta-metragem premiada, que desmerece de tal sucesso é «Um Bom Dia para um Mergulho» do romeno Bogdan Mustata. O tema é o da crueldade gratuita de um grupo de miúdos, que assaltam e torturam pessoas apenas pelo prazer de lhes fazer mal. No caso do filme as vítimas são o condutor de uma carrinha em que eles agora se deslocam até uma praia deserta e uma prostituta.
Fica em aberto se as vítimas saem ou não vivas da sua provação. Mas interessará mesmo sabê-lo?

ROADS - Lior Geller

Curta-metragem israelita, «Roads» de Lior Geller é o exemplo do dinamismo da escola de cinema de Telavive, mas não deixa de abordar de forma ambígua um tema relevante na região: a elevada toxicodependência dos ex-soldados judeus, que passaram por experiências limite no Líbano e a existência de máfias formadas por palestinianos dispostos a sobreviverem à custa de tal tráfico.
Em «Roads» a história quase não se aguenta de tão frágil se revela o seu argumento: um miúdo foge do seu bairro em Lod, quando constata o recrutamento do seu próprio irmão para o bando.
A fuga só se torna possível graças a um ex-soldado israelita, que lhes cobre a retirada. Mas a imagem resultante é óbvia: os bons sentimentos do judeu em comparação com a crueldade de Ahmed, o líder da máfia palestiniana.
O maniqueísmo é aqui evidente.

Um pequeno passo para o homem

Nas últimas semanas têm sido muitos os documentários nas várias televisões sobre as viagens dos astronautas norte-americanos à Lua.
Num agora visto sobre a expedição da Apolo 11 sobressaíram algumas novidades até agora quase desconhecidas. Por exemplo, será que os três astronautas terão visto um OVNI numa das passagens pelo lado escuro da Lua?
Depois há a rivalidade entre Aldrin e Armstrong sobre quem seria o primeiro a pisar o solo lunar acabando a NASA por desempatar a contenda a favor do segundo.
Há ainda a feliz expressão de Aldrin para crismar a superfície lunar: «uma desolação magnífica»!
E, para que a emoção estivesse garantida até ao final, a descolagem da Lua esteve em risco por causa de um interruptor partido a bordo do módulo.

sábado, agosto 22, 2009

Tabucchi: o escritor enquanto vigilante

António Tabucchi deu uma entrevista a Isabel Lucas do «Económico» que, apesar de não trazer grandes novidades sobre o que dele se sabe, constitui uma revisão à matéria dada. Por exemplo, a sua chegada a Lisboa em 1965, dotado de uma bolsa de estudos, depois do seu rumo universitário ter sido influenciado pela fascinada leitura de «A Tabacaria» de Fernando Pessoa.
Depois, apesar de se tratar de um país muito pobre e de costas viradas para a Europa por causa das ideias políticas de um ditadorzeco de pacotilha, Portugal transformou-se na sua segunda pátria por efeito de uma relação amorosa, que se tem prolongado por estas quatro décadas. As mesmas em que foi desenvolvendo a sua actividade de escritor dado à sua prática como se de mester de operário se tratasse. Já que as palavras precisam de ser trabalhadas até chegarem à sua expressão optimizada quando aterram no olhar atento dos leitores…. Tabucchi não se sente, pois, particularmente, talentoso. O ofício de escritor significa para ele muito suor…. e muita observação do que o rodeia. Por isso viaja muito. Sempre orientado pelo Sul europeu, por esse Mediterrâneo a que se sente especialmente ligado.
Na entrevista ainda se fala de política, do horrível Berlusconi, que representa o paradigma de uma cultura pimba infelizmente apadrinhada pelos eleitores. E fica implícito o papel vigilante do escritor enquanto denunciador dos piores efeitos de tal praga...

domingo, agosto 16, 2009

A Sinfonia nº 60 de Haydn: «O Distraído»

A Sinfonia nº 60 de Haydn, intitulada «O Distraído», foi composta em 1774 como música de cena para a peça teatral do mesmo nome.
Composta por seis andamentos, procura acompanhar as peripécias de um protagonista suficientemente distraído para ter de amarrar um lenço como forma de se lembrar da sua condição de recém-casado.
Bastante imponente, a peça não deixa de conter algumas piadas, que revelam o carácter folgazão do compositor. Temos, por exemplo, um andamento subitamente interrompido para que os músicos afinem os seus instrumentos ou a inserção de alguns compassos de uma canção ligeira intitulada «O Guarda-Nocturno», a servir de ferroada para a hora excessivamente tardia a que acabavam os espectáculos no Palácio Ezsterhaza.
São estes pequenos pormenores, que muito enriquecem uma história da música e demonstram como ela pode ir muito além da sua mera fruição numa sala de concertos...

sábado, agosto 08, 2009

A morte de um homem bom

A morte de Raul Solnado não surpreende. Aos 79 anos o actor já não estava activo há alguns anos desde a altura em que andou num one man show a falar das coisas simples da vida em conversa coloquial com os seus espectadores pelos diversos palcos do país. Mas o seu desaparecimento é o de alguém, que nos era simpático não só por ter feito um humor sempre inteligente avesso à brejeirice primária, mas porque, enquanto profissional jamais pareceu atropelar quem quer que fosse no seu bem sucedido percurso. Homem bom, sempre se situou politicamente à esquerda jamais enjeitando a sua colaboração em campanhas destinadas a fortalecer quem defende os interesses dos mais desfavorecidos.

Paul Auster: «Da Mão Para a Boca»

Já há muito o sabíamos mas, de facto, a América está longe de ser a terra das oportunidades. Que o diga Paul Auster após a conclusão da leitura do seu relato autobiográfico sobre os seus primeiros anos enquanto escritor («Da Mão Para a Boca»). É certo que se revelou avesso a empregos convencionais de horário e salário certo, mas as penas sofridas prolongaram-se anos a fio e puseram, inclusivamente, cobro ao seu primeiro casamento.
Valeram-lhe as traduções, os apoios do padrasto, a curta herança do pai e, sobretudo, a decisão de abandonar a poesia em favor da prosa em que se viria a distinguir.
A leitura desse relato de vida é aprazível e aqui e ali estimulada por algumas curiosidades: ter conhecido John Lennon, quando colaborava com um alfarrabista nova-iorquino, ou a humilhação de um fracasso rotundo na estreia teatral de uma das suas peças aonde outrora fora o atelier de Rothko, que ali se havia inclusivamente suicidado.
O que mais impressiona neste balanço de uma juventude é a capacidade do autor para se livrar da tentação de, através dele, se auto promover. Porque este é o percurso de um jovem imaturo e teimoso, que viria a ter a sorte de se tornar bem sucedido na sua busca de realização pessoal. Mas quantos como ele passam por idêntico afã de moldarem a realidade à sua maneira e acabam por partir literalmente os dentes?
Nunca chegaremos ao momento do sucesso, embora se possa inferir que ele iria surgir logo após os acontecimentos com que o livro se conclui. O de maior insucesso fica relatado no instante em que procurou vender a ideia de um jogo a um executivo na feira de brinquedos de Nova Iorque e é por ele agrestemente expulso do local.
Acaba-se por concluir que uma das razões para o sucesso posterior do escritor Paul Auster terá sido o sabor amargo do fracasso durante todos esses anos de maturação.

segunda-feira, agosto 03, 2009

DALI: O CRISTO DE SÃO JOÃO DA CRUZ

Que diferença entre o Cristo de S. João da Cruz, que Dali pintou em 1950, e o de Matthias Grunewald, de 1525, aqui representado ao lado.
No quadro renascentista o corpo de Cristo está fracturado e tem os espinhos enterrados na carne. Trata-se, pois, da imagem perversa de um Cristo a contorcer-se de dores no seu corpo gangrenado. Seria esta uma das influências mais marcantes do pintor Francis Bacon já no século XX.
O Cristo de São João da Cruz de Dali é bem diferente do de Grunewald: na sua parte inferior está reproduzida a paisagem de Port Ligat, que o pintor desfrutava de sua casa.
O quadro terá sido sugerido a Dali por um frade carmelita, que entendia a crucificação como uma forma de ascético misticismo, relacionando-o com esse São João da Cruz, homem religioso do século XVI frequentemente possuído de visões relativas a tal acontecimento.
É baseado no desenho de uma dessas visões esboçado pelo próprio místico, que Dali concebe o seu quadro dotando-o de uma perspectiva matemática.
O pintor é, igualmente, sugestionado pelos ambientes de Hollywood que estava a frequentar, recorrendo até a um duplo dos estúdios enquanto modelo.
O quadro levará cinco meses a criar, concluindo-se em 1951. Vendido para um museu de Glasgow suscitará imediata polémica com os críticos a acusá-lo de kitsch e os crentes a admirarem essa versão do «mistério da Cruz».
Um dos aspectos mais interessantes do quadro é a omissão do rosto de Cristo, obrigando o espectador a imaginá-lo. E para quem suspeitava da sinceridade do seu catolicismo, o pintor responderia o quanto gostaria de confirmar a existência de Deus, embora nele não pudesse crer...

sábado, agosto 01, 2009

O encontro com a lenda

E ao penúltimo dia do mês de Julho estivemos perante uma lenda viva: Leonard Cohen.
O espectáculo do Pavilhão Atlântico não diferiu muito do DVD gravado em Londres até porque eram os mesmos os acompanhantes em palco.
Houve mais temas do primeiro álbum, que comprei quando tinha doze ou treze anos («Songs of Love and Hate») - nomeadamente o «Like a Bird on a Wire», o «Famous Blue Raincoat» ou «Le Partisan» - e desapareceu, por provavelmente ter deixado de fazer sentido, o «Democracy in the USA».
É claro que o espectáculo ao vivo tem as suas limitações: mesmo na vigésima segunda fila a distância do palco é tão grande, que só se vêem figuras minúsculas a agitarem-se. É evidente que os ecrãs gigantes, postados a um e a outro lado desse centro de atenções, compensa tudo isso, mas aí é como se nos rendêssemos ao espectáculo televisivo, que ali estava fora de questão. O que se buscava eram as pessoas concretas, tridimensionais, e não a sua bidimensionalidade nos ecrãs.
Mas, em compensação, as vozes ao vivo - sobretudo as de Cohen e a da impressionante Sharon Robinson - ganham outra riqueza, descortinando-se nelas os timbres filtrados naquele hipervisto DVD.
E, enfim, há aquelas canções imemoriais, que já constam do cancioneiro obrigatório da música do século transacto, alimentadas por poemas, que sugerem muito para além do que explicitam.
E foi bonito constatar o carinho do público por este cantor de 74 anos, embora fosse, amiúde, inconveniente na frequência com que lhe interrompia as canções e os discursos, cortando uma sequência pensada ao milímetro e ali a ajustar-se obrigatoriamente aos ditames de quem viera para se deixar encantar, mas também para expressar uma surpreendente admiração.
Essa foi a noite em que constatei existirem em Portugal cohenófilos mais entusiastas, que eu próprio...