domingo, fevereiro 12, 2006

LUTAR PELO DIREITO DE SE DIZER O QUE SE PENSA...

Na televisão revejo esse crime irreversível, que constituiu a destruição dos Budas afegãos. Um regime inculto e intolerante reduziu a pó os vestígios de uma civilização milenar.
É inevitável a relação entre essas imagens e as dos últimos dias, com turbas em fúria a protestarem contra a liberdade de expressão dos cartoonistas dinamarqueses. Mesmo aceitando-se que na génese desses desenhos tenha estado a estratégia de confrontação da extrema-direita para com pessoas diferentes - e, então, no seu significado próprio, eles não obedeceriam a nenhuma inocente demonstração de uma ideia - as reacções políticas de alguns responsáveis europeus não me merecem acordo. Não só porque tenho bem presente o preceito voltairiano de uma supremacia da liberdade de expressão do pensamento sobre todos os demais direitos, mas sobretudo, porque, tal como Edmund Burke, acredito que a barbárie afirma-se, quando o Homem civilizado peca por inacção.
É evidente que existem riscos em fazer o jogo da direita, ajudando ao tal choque de civilizações de que fala Huntington. Mas é preocupante a evidente ascensão dessa forma de fascismo islâmico, que ainda vem sendo crismada de fundamentalismo. O que acaba de se consagrar como força política maioritária na Palestina e vem ganhando influência crescente por todos os países do Médio Oriente e da Ásia…
É claro que, sem descurar culpas dos presidentes anteriores, foi George W. Bush quem mais contribuiu para essa situação: combatendo ditaduras até então laicas, como as de Saddam Hussein ou de Najibullah criou todo o ensejo de dominação dos mollahs e ayattollahs. A tanto o conduziu a cegueira pelo domínio dos poços do petróleo, que encarou como a melhor estratégia para impor uma dominação imperialista já mais que afirmada…
Nesse sentido, nós europeus, somos como que vítimas colaterais de culpas alheias? Porque, incapazes de repetirem os atentados de Nova Iorque, os terroristas vêm atacando capitais europeias aonde a imigração proveniente dos países islâmicos nunca constituíra problema.
Quando as posições xenófobas começam a encontrar um tal eco nas opiniões públicas, que Le Pen consegue atrair um quinto do eleitorado francês e que os neofascistas italianos conseguem integrar o Governo de Roma, pode-se considerar que o Homem Civilizado tem estado demasiado apático perante a realidade, que ameaça transformar o seu quotidiano em novas formas de genocídio.
A esquerda tem de mostrar uma enorme lucidez nas posições, que vier a assumir. Não pode ficar prisioneira de dogmas, que a realidade vai desmentindo. Mas não pode conotar-se com outras posições, que a privem dos seus princípios fundamentais.
Parece lógico que a União Europeia tome posições muito firmes quando milhões de muçulmanos são arregimentados para a ameaçarem com as piores consequências da sua não cedência aos ultimatos fascizantes dos fundamentalistas.
E onde não pode haver qualquer cedência é no respeito pelo direito de qualquer dos cidadãos exprimir o que lhe vai na alma...